
Foi-se o tempo em que jogos em dispositivos eletrônicos e videogames eram exclusividade dos jovens. O mercado gamer faturou mais de US$ 300 bilhões em 2021, segundo a consultoria Accenture, e um dos motivos para o bom resultado é a conquista da “turma grisalha” para o time de gamemaníacos.
Outro estudo, feito pela Global Web Index (GWI), empresa que trabalha com pesquisas de marketing, aponta que desde 2019 houve alta de 32% entre os jogadores de 55 a 64 anos. E o objetivo vai além do prazer encontrado nos desafios e batalhas virtuais. Os jogos online têm também uso terapêutico. Geriatras, fisioterapeutas e psicólogos usam games para tratar pacientes com problemas motores, déficits cognitivos ou neurológicos.
No caso da aposentada Ângela Maria Medeiros de Carvalho, de 66 anos, a paixão pelos jogos é antiga. O primeiro console foi “Telejogo”, versão rudimentar dos videogames modernos. Desde 1979, ela e o marido Nelson Medeiros (67) se divertem em família.
“No início, éramos só nós. Depois vieram os filhos, que puxaram os pais, e estão sempre jogando”, diz ela, mostrando que o prazer de em estar frente a uma tela gamer já está na terceira geração. “Agora jogamos com os netos, sempre que possível, pois eles moram na Itália. Só não gosto muito dos de luta ou jogos mais agressivos, como GTA 5 e Resident Evil. Prefiro o Mario Bros e os jogos do Mega Drive”, enumera.
Angela e Nelson não são os únicos idosos aficcionados. Pesquisa da Euromonitor mostra que 21% das pessoas com mais de 60 anos espalhadas pelo planeta jogam videogames regularmente. A mesma pesquisa também mostrou que 82% dos entrevistados nesta faixa etária (60 anos ou mais) têm acesso a smartphones e 45% utilizam aplicativos de bancos, o que os leva a ter facilidade de jogar em aparelhos celulares e online.
“A gente acha divertido. O tempo passa e nem percebemos. Além disso, é uma forma de exercitar o cérebro, pois gosto de jogos que muitas vezes estão em outro idioma, como o inglês, o espanhol. É o caso da série Animal Crossing. Quando não sei uma palavra, vou logo procurar pela tradução. A gente aprende e aprimora a linguagem”, garante Ângela.
Segundo a geriatra Karla Cristina Giacomin, estudos científicos demonstram que o hábito de jogar videogames pode desacelerar o surgimento de doenças neurodegenerativas, como alguns tipos de demência. “É uma forma de treinar atenção e memória a partir da diversão que os games oferecem. Ao jogar os idosos estão mantendo ou amplificando as capacidades cerebrais”, diz a geriatra.
“Os orientais estão mais imersos na cultura dos games, mas a gameterapia, que é a utilização dos jogos de forma orientada pelos profissionais de saúde, pode ajudar muito a melhorar a cognição e equilíbrio do idoso”.
Fisioterapeuta usa games no tratamento
A fisioterapeuta Claudete Andrade Morandi há 10 anos faz uso da “gameterapia” em seus pacientes, em especial no caso dos que têm medo de se movimentar e daqueles que precisam ganhar equilíbrio após colocação de próteses no quadril e joelhos. Quando comparada com a fisioterapia tradicional, a reabilitação que faz uso dos jogos é 20% mais eficiente com relação ao aumento do equilíbrio e a adesão do paciente ao tratamento, segundo a especialista.
“Sou fisioterapeuta geriátrica, área em que é comum encontrar paciente que têm medo de se movimentar para evitar sentir dores. Nestes casos, usamos os recursos dos jogos e é impressionante a mudança. Eles se empolgam e começam a realizar os movimentos sem pensar, pois ativam regiões cerebrais responsáveis pelas sensações de prazer e bem-estar.”
Ela reconhece, entretanto, que a utilização dos games na área da saúde, no Brasil, ainda é restrita. As dificuldades estariam relacionadas ao acesso aos equipamentos e ao preconceito do idoso, que muitas vezes acredita não ter condições de jogar. “Eles acham que envelhecer não combina com o videogame. Ainda existe um estigma, mesmo por parte de profissionais de saúde”.
Dona Aída Gentiluomo, 87 anos, foi paciente de Claudete e não teve problema algum para se adaptar. Ela precisava se livrar de uma tendinite que já caminhava para se tornar uma capsulite adesiva, um problema bem mais sério. Para evitar a evolução da doença, ela tinha que fazer movimentos com os braços. E foi direcionada pela fisioterapeuta para a plataforma online de jogos de box. “Fui aprendendo que a gente deve evitar, sempre que possível, tomar remédios, e por causa das dores nos ombros procurei a fisioterapia. Nem sabia que existia fisioterapia feita no videogame. Fiz, gostei e hoje não sinto mais dores”, diz, aliviada.
SAIBA MAIS
Alguns jogos permitem partidas on-line, gerando interação entre pessoas que não se conhecem e de diferentes idades. O psicólogo Renan Molina Pinto destaca que embora o envelhecimento seja um destino inevitável do ser humano, hoje é possível, com a ajuda da ciência, retardar alguns de seus piores efeitos. Para ele, a melhor maneira é sempre exercitar a mente e ao mesmo tempo se divertir. “Muitas vezes o videogame é considerado vilão dos tempos modernos, mas não precisa ser assim. O que a gente não pode esquecer é que o problema é o excesso. A diversão e sociabilidade proporcionadas pelos games são aspectos que devem ser levados em conta pelo profissional de saúde, avalia.
O psicólogo ainda destaca que além de aumentar capacidades cognitivas e de memória, os aspectos emocionais como força, superação, persistência e incentivo ao convívio familiar e com outras pessoas são muito relevantes para a saúde dos idosos. “O convívio social e familiar pode ajudar a amenizar os níveis de estresse, uma vez que, com a idade, vai ficando cada vez mais restrito. O profissional precisa conhecer a história de vida, o perfil do paciente para então indicar qual tipo de jogo vai beneficiá-lo”.
A geriatra Karla Giacomin concorda. Para ela, os jogos não podem servir como uma forma de alienação do mundo externo. “O idoso passar horas fechado nos jogos pode ser ruim, pois além de restringir a sociabilidade isso pode agravar problemas visuais, de coluna e mesmo aumentar as dores pelo corpo com o abuso. O que era um passatempo e diversão pode virar um problema”, alerta a geriatra.