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Trilhas centenárias no mar de montanhas da Cordilheira do Espinhaço

Manoel Freitas
Publicado em 03/11/2023 às 18:13.
Trilha do Barão: 12 km de caminhos construídos pelos escravos do Barão de Grão Mogol (MANOEL FREITAS)

Trilha do Barão: 12 km de caminhos construídos pelos escravos do Barão de Grão Mogol (MANOEL FREITAS)

De 25 a 28 de outubro, Grão Mogol, distante 148 km de Montes Claros e 570 km de Belo Horizonte, foi sede do XX Congresso Brasileiro de Ecoturismo e Turismo de Aventura, o Abeta Summit. E a cidade, encravada em um platô na cadeia do Espinhaço, erguida sobre quartzo, pedras vernaculares rústicas encontradas em toda Cordilheira do Espinhaço, não foi escolhida por acaso.

Além de seu patrimônio natural, conhecido como eterno ouro de Minas, essa porção Norte da única cordilheira do Brasil tem outra riqueza que não se mede: trilhas centenárias por seu mar de montanhas. Portanto, a quinta edição da série especial de O NORTE sobre essa cadeia de montanhas tem o foco em suas trilhas, em especial a Trilha do Barão, construída por volta de 1875 e que mantém preservados 12 km de caminhos construídos pelos escravos do Barão de Grão Mogol, Gualter Martins Pereira, para ligar sua fazenda ao Arraial de Grão Mogol. 

Toda pavimentada em cantarias (pedras irregulares), é, na verdade, um espetáculo de rara beleza, margeada por muros de arrimo em rocha em área hoje pertencente ao Parque Estadual de Grão Mogol, criado em 1998. Além de rochas, é ornamentada por verdadeiro jardim suspenso: sua composição florística tem, só de plantas típicas de campos de altitude, 82 espécies distintas, ou seja, riqueza que por si só apresenta enorme potencial educativo sobre esta vegetação.
 
GRÃO MOGOL, TRILHAS CONSERVADAS
O NORTE, em outubro, acompanhou três dias o trabalho de campo, no Parque Estadual de Grão Mogol, do biólogo Eduardo Franco, um dos ornitólogos mais respeitados de Minas, da “Minas Nature Turismo”, com trabalhos em todo o país. “Eu fiquei muito impressionado positivamente de ter visitado Grão Mogol, era um pedaço do Espinhaço que eu ainda não tinha explorado, não conhecia”, disse Eduardo, explicando que “o que mais me chamou atenção foi a condição de conservação das trilhas”.

Isso, de acordo com o biólogo, “sem contar com sua riqueza de fauna e flora, especialmente a quantidade de cactos, canelas de ema, bromélias, orquídeas, que mão são encontradas facilmente na parte mais Sul da Cordilheira do Espinhaço, possivelmente em função da proximidade com as grandes cidades, como Belo Horizonte”. Então, diz acreditar “que, com o turismo mal planejado, as trilhas acabam ficando impactadas, e isso não percebi em Grão Mogol, de modo que tenho certeza de que o Espinhaço do qual faz parte o Norte de Minas tem um enorme potencial turístico, tanto pela importância histórica de suas trilhas, como, também, pela possibilidade de observação de vida silvestre”. 

O NORTE conversou também, em Grão Mogol, com Paulo Henrique da Silva, condutor de turismo desde 2011. No seu modo de entender, “as trilhas são atrativos importantíssimos, por seus valores histórico e cultural de grande relevância para o país”. Acrescenta que “mais importante ainda é que essas trilhas estão dentro de um parque estadual, com enorme biodiversidade, por isso precisam ser restauradas, preservadas e protegidas”.

Palco da história e memória local
Para falar sobre a importância dessas trilhas centenárias do Espinhaço Setentrional, O NORTE ouviu na quinta-feira (2), a professora Ivana Parrela, graduada em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, com doutorado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Para Ivana, “a Trilha do Barão é um bem cultural tombado pelo município que permite aos moradores e turistas se conectarem com a paisagem da Cordilheira do Espinhaço e compreendê-lo como palco da história e memória local ligada à mineração do diamante, ao extrativismo das riquezas dos campos rupestres, à pecuária”.

Explica que, ao percorrer o caminho parcialmente calçado, que já existia e era conhecido como a Estrada dos Quatis, o visitante tem a oportunidade de conhecer o trabalho de pessoas escravizadas no século XIX que construíram a Trilha do Barão “e ver as marcas dos seus usos no passado e hoje”. Durante o percurso, observa ser possível visitar a gruta do Quebra Coco, “que era usada como um ponto de abrigo e descanso para aqueles que a utilizavam para alcançar a sede municipal”.

Ivana Parrela argumenta que, originalmente, “o projeto da Trilha do Barão pretendia ligar Grão Mogol a Rio Pardo, e, embora a obra nunca tenha sido concluída, é um ponto importante e referencial para a cidade e para aqueles que a visitam”. De acordo com a pesquisadora, o trecho que foi feito, com recursos dos governos imperial e provincial, acaba justamente nas proximidades da propriedade daquele que empresta seu nome à trilha: o Barão de Grão Mogol, Gualter Martins Pereira. (MF).
 
BARÃO DE GRÃO MOGOL
Segundo Ivana Parrela, “o Barão é uma figura lendária em Grão Mogol, entorno, na Chapada Diamantina e no interior paulista, em Rio Claro. Nascido em região que hoje pertence a Itacambira, ele atuou nos três estados guiados por seus negócios de mineração e agropecuária”. Indagada se existe relação entre as trilhas do Barão e da Tropa, observou que “as duas trilhas representam excelentes exemplos das técnicas construtivas da região com pedras nos séculos XVIII e XIX”. 
Acrescenta que a Trilha da Tropa “nos leva às ruínas de um quartel militar, nos permite rememorar as dificuldades enfrentadas pela Coroa Portuguesa para dominar o território, que já era ocupado pelos garimpeiros, em fins do século XVIII”. A Trilha do Barão, segundo a historiadora, foi aberta como uma estrada para conectar municípios, escoar riquezas no final do século XIX. 

Aliás, a professora da UFMG fala com propriedade: entre suas obras publicadas, Grão Mogol mereceu muita pesquisa, haja visto que nos últimos vinte anos, publicou um livro sobre a ocupação da Serra no século XVIII (O Teatro das Desordens, Editora Annablume) e alguns artigos sobre a história da cidade e região. Entretanto, seus objetivos de curto e médio prazo são publicar um livro infantil de divulgação científica, com uma história que se passa na região; um livro sobre o Barão; e, especialmente, “investir na difusão dessas pesquisas sobre a história de Grão Mogol para a população”. (MF).

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