Desde sempre, associa-se retrato e fotografia a um único contexto, porque as duas coisas se fundem, embora não possuam o mesmo significado. É que, enquanto a fotografia envolve qualquer tipo de imagem, como paisagem e objeto, o retrato foca pessoas e suas histórias, em grupo ou sozinhas. Mais ainda, é diferenciado por envolver a interação direta entre o fotógrafo e o sujeito, de modo a propiciar imagens que contem histórias ou transmitam uma mensagem específica.
Dentro dessa arte, que é também um poderoso meio de comunicação, o retrato avança, aprofunda por várias vertentes, ganhando contornos mais importantes ainda quando as lentes se voltam para os grupos étnicos, sobretudo os povos indígenas. Até porque, hoje mais do que nunca, a cultura indígena possui enorme importância na construção da identidade nacional brasileira.
De tal forma que o retrato tem valor agregado quando atua a serviço da documentação fotográfica da extraordinária diversidade cultural brasileira, no tempo em que a expressão artística é concebida com senso de responsabilidade. Nessa direção, a exemplo do que ocorre na pintura, o retrato deve reproduzir não somente as fisionomias, mas procurar captar a personalidade e a alma refletidas no olhar.
E nem poderia ser diferente, porque o Brasil tem 305 povos indígenas, ou seja, não existe uma única cultura indígena, mas uma enorme diversidade cultural. Daí, a força da imagem em universo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com pelo menos 900 mil indígenas no país, dos quais 12 mil habitam a Terra Indígena Xakriabá, em São João das Missões, Extremo Norte de Minas Gerais, margem esquerda do Rio São Francisco.
Como não poderia deixar de ser, o retrato étnico é possível, sobretudo, quando a confiança é estabelecida entre o profissional da fotografia e as lideranças indígenas, ou seja, na medida em que documenta seus rituais, experimenta seus mundos. É o que faz, há exatos 20 anos, o fotógrafo de O NORTE, caminhada que o permitiu, igualmente, interagir com outras nações indígenas, como Xucuru-Kariri, Pataxó e Krenak, retratadas nesse conteúdo.
Fotógrafo: elemento ativo da criação
Para falar sobre a desafiadora leitura do retrato, O NORTE ouviu o antropólogo Leonardo Bruno Barbosa, doutorando no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ele E pesquisador da relação entre fotógrafo, técnica, comunidades e sensibilidades no percurso de feitura das imagens.
Segundo o antropólogo, “o retrato pode ser utilizado para fazer análise de elementos cotidianos que compõem o universo no qual ele foi feito, como roupas, objetos, gestos, cujos significados podem informar sobre identidade cultural, status social, valores, entre outros, de uma comunidade”. Do mesmo modo, acredita que “ele pode ser um meio de informação importante sobre expressões e linguagem corporal dos retratados, porque a forma como as pessoas se apresentam em um retrato pode fornecer pistas sobre normas sociais, papéis de gênero, ou mesmo emoções”.
De uma forma mais ampliada, Leonardo Barbosa acredita que a imagem fotográfica “tem importância enorme para os estudos antropológicos; sempre tivemos a experiência de interpretar nossa realidade a partir de imagens”. Em sua opinião, o retrato revela facetas tanto do fotografado quanto do fotógrafo. “Quando o fotógrafo escolhe o enquadramento, o ângulo, etc., participa ativamente na construção de significados”.
Sobre o banco de imagens étnicas de O NORTE, ele diz que “os retratos apresentam uma diversidade notável de expressões e estados de espírito”. (MF)