Nativo do Cerrado, pequi contribuiu para restauração da flora desmatada. (MANOEL FREITAS)
Sobretudo para o Cerrado brasileiro, a savana mais biodiversa do mundo, cuja taxa anual de desmatamento em 2022 foi de 10.689 km2, têm enorme significado a restauração da sua vegetação desmatada, em face não apenas de seu benefício ambiental, mas – igualmente – do ponto de vista econômico e social.
Nesse sentido, exerce papel relevante na reconstrução deste bioma a produção de mudas nativas, no Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha, especialmente em se tratando do pequizeiro, pois ocupam grandes áreas e sua sobrevivência implica na manutenção do ecossistema.
Daí, a importância da produção de mudas de pequi, não apenas em empresas governamentais de pesquisa e universidades, mas, igualmente, por pequenos e médios produtores rurais do sertão de Minas, de forma a facilitar seu plantio, tanto para sua utilização na culinária, como fonte de receita adicional, capaz até de assegurar a sustentabilidade de suas propriedades.
Portanto, para buscar respostas para os interessados em restaurar áreas degradadas, ou mesmo repovoar o Cerrado com a árvore símbolo do bioma, O NORTE ouviu dois produtores de mudas no Vale do Jequitinhonha, que deram detalhes de como plantam sua semente a partir da escolha o caroço, bem como os cuidados exigidos para que a planta se desenvolva. Na verdade, uma longa caminhada entre a semeadura até seu pleno desenvolvimento, quando começa a dar frutos após seis anos.
Doações para multiplicação
Natural de Cristália, no Vale do Jequitinhonha, o empresário Geraldo Élcio do Socorro produz há cinco anos mudas de pequi em Montes Claros.
A O NORTE, explicou que um dos segredos para a produção é a escolha dos frutos que estejam caídos, posto que, uma vez maturados, tem maior chance de êxito.
“Para que germinem, os frutos precisarão completar seu ciclo de amadurecimento, que é concluído quando caem”, explica Élcio, que vende a muda a R$ 20.
A despeito de comercializar algumas mudas, revela que desenvolveu a técnica para doação mesmo, “face à sua importância para o Cerrado”. Recentemente, doou mudas para o Galpão de Reciclagem Amor e Vida, em Monte Claros, para que comercializasse.
Igualmente, sem nenhum custo, repassou mudas de pequi gigante, “com castanha de dois quilos, a um agricultor da Associação dos Produtores de Hortigranjeiros da Região do Pentáurea”, comunidade rural distante 2,4 km da sede do município.
Geraldo Élcio lembra que para o bom crescimento da muda de pequi no primeiro ano, é imprescindível que sejam irrigadas de dois em dois dias.
“Depois, já bem enraizadas, seguem a natureza dos frutos do cerrado, que são resistentes ao clima seco e quente”.
Prosseguindo, lembrou que “depois os caroços são enterrados na areia e começam a germinar após dois meses, quando são retirados da areia e plantados em sacos apropriados, para que se desenvolvam”.
Detalhou ainda que “quando atingirem a altura de 40 a 50 cm são transplantados para um local definitivo e começam a produzir frutos a partir do quinto ano do plantio”.
Pequizeiro doente
Para falar sobre o estrago que a broca do tronco do pequizeiro e a broca do fruto, que tanto têm tirado o sono de todos aqueles que integram a cadeia produtiva do pequi, notadamente no Norte e Vale do Jequitinhonha, O NORTE ouviu o entomologista Antônio Cláudio Ferreira da Costa. Graduado em Engenharia Agronômica, mestre e doutor em Entomologia pela Universidade Federal de Viçosa.
Atualmente, é pesquisador em Entomologia da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, na Unidade Epamig Norte.
Indagado como é trabalhar no combate às pragas do pequizeiro, informou que “as pesquisas científicas para descobrir métodos de combate à broca do tronco do pequizeiro e à broca do pequi (fruto), estão sendo realizadas no laboratório de entomologia da Epamig Norte, situado no Campo Experimental do Gorutuba, em Nova Porteirinha e também nas propriedades rurais, em conjunto com a Emater-MG”. Explicou que a “broca do tronco é uma lagarta que se alimenta do cerne do tronco do pequizeiro, causando túneis nessa região da planta”.
De acordo com o entomologista Antônio Cláudio, “o sinal do ataque dessa broca é a presença das fezes no solo, ao lado do tronco do pequizeiro e essa lagarta é a fase jovem, que depois se transformará em uma mariposa, que é a fase adulta este inseto”.
Antecipou que “o nome da espécie dessa mariposa já foi identificado e, brevemente, será publicado em uma revista de divulgação científica. É uma mariposa que ocorre nas regiões onde há pequizeiros”.
Argumentou que, na atualidade, “a pesquisa tem o objetivo de utilizar o feromônio sexual feminino, (substância química que as fêmeas liberam para atrair os machos) como ferramentas de controle da população desta praga”.
Mais ainda, ensinou que “a broca do pequi é a lagarta de outra mariposa, bem menor do que a broca do tronco”, e que uma das estratégias para o controle da população da broca do pequi é também a utilização da substância química que a fêmea emprega para atrair os machos (feromônio sexual feminino), a mesma linha de pesquisa adotada para o manejo das populações da broca do tronco do pequizeiro”.
Ponderou que “ainda não há informações se o ataque da broca do tronco sozinha pode causar a morte do pequizeiro, mas é provável que os túneis (também chamados de galerias) que ela causa no interior do tronco, diminuam a capacidade do pequizeiro resistir a doenças (causadas por microorganismos), a longos períodos de estiagem e às quebras e tombamentos causados por ventos fortes”.
Pró-Pequi: para preservação de espécies
Para proteção de espécies do Cerrado, foi criado em 2001 o Programa Mineiro de Incentivo ao Cultivo, à Extração, ao Consumo, à Comercialização e à Transformação do Pequi e Demais Frutos e Produtos Nativos do Cerrado (Pró-Pequi), constituído pelos recursos arrecadados com a derrubada legal de pequizeiros, que são direcionados aos projetos de assistência técnica, pesquisa e ao incentivo da cadeia extrativista.
É um instrumento que incentiva o extrativismo, dentro de uma perspectiva de longo prazo e de sustentabilidade. Para falar acerca da importância dessas políticas públicas,
O NORTE ouviu na quinta-feira (19), a pesquisadora Nilza de Lima Pereira Sales, graduada em Engenharia, mestra e doutora em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras. Atualmente, é professora associada da UFMG.
Em sua opinião, o “Pró-Pequi e a Lei de imunidade ao corte do Pequizeiro são políticas de suma importância para a preservação de espécies do Cerrado, por meio dessa lei de proteção ao corte, incentivo ao plantio como forma de conservação e enriquecimento de áreas degradadas, bem como através da garantia do manejo sustentável de espécies, principalmente o pequi”.
Explicou que quem faz a gestão do Pró-Pequi é o seu Conselho Diretor paritário entre governo e sociedade civil.
Disse que fazer parte desse conselho “tem sido uma das experiências mais gratificantes como engenheira florestal e pesquisadora da universidade, uma das representações mais honrosas de minha carreira, dada a possibilidade de contribuir com meu conhecimento nas discussões necessárias à conservação das espécies nativas do cerrado”.
Sobre as pesquisas, destacou à fomentada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).
“Através desse projeto de pesquisa foi possível acompanhar a evolução da mortalidade em campo, identificar fatores de danos ao pequizeiro, bem como validar o uso de novas tecnologias para levantamento de danos à espécie, em área natural, com a caracterização de graus de severidade desses danos”. Reforça que a pesquisa identificou a ocorrência de pragas, especialmente a broca do tronco. “Foi possível evidenciar ainda a falta de garantia da conservação da espécie pela baixa taxa de reprodução e falta de regeneração natural em espécies nas áreas protegidas de Pandeiros (Januária, MG), o que se repete em outros locais do cerrado Norte Mineiro”, concluiu.
Receita do Vale do Jequitinhonha
Também do Vale do Jequitinhonha, o bancário Jefferson Cruz conversou com O NORTE acerca da produção de mudas de pequi, atividade que desempenha há 11 anos. Seu viveiro funciona em parcela de terra reservada na localidade de Três Barras, em Botumirim.
Informou que “o preço depende do tamanho, mas é em torno de R$ 12,00 a muda de 20 a 30 cm”, observando que, para fazer as mudas, sempre utiliza frutos caídos. Explicou que a muda do fruto do cerrado “se desenvolve bem em solos pouco férteis, desde que não acumule água, nem seja muito argiloso.
Em seu processo de produção de mudas, prefere molhar uma vez por dia “depois que a semente brota”.
Argumentou que “a temperatura influencia na germinação, nascem melhor na época mais quente”. Opina ser possível utilizar algum substrato pra elevar a temperatura do solo (esterco de gado misturado com terra e areia, por exemplo). “O esterco, quando está fermentando, aquece bastante e ajuda na germinação, mas se for usado esterco puro, pode aquecer muito”, ponderou.