
A montes-clarense Rita de Cássia Silva Dionísio Santos tomou posse na Academia Feminina de Letras de Montes Claros. Como mulher, negra, pobre, periférica e sendo a primeira pessoa de uma família de ascendentes de origem indígena e de negros e negras escravizados a conseguir fazer um curso superior, ela nos conta o impacto de integrar, hoje, uma Academia de Letras.
“É uma honra imensurável, não somente para mim, mas também para os meus pais, irmãos e familiares. Minha formação, devo-a aos meus pais, que mesmo sem terem tido a oportunidade de estudar, cedo entenderam que isso seria a única forma pela qual eu poderia romper as cadeias da pobreza e das condições inadequadas a que sucumbem milhões e milhões de pessoas neste país”, afirma. Confira nosso bate-papo:
Como foi receber esse convite?
No início de 2020, recebi o convite para integrar a Academia Feminina de Letras de Montes Claros da então presidente Terezinha Campos. Na época, declinei do convite por entender que o fato de não ter publicado obra de ficção não me legitimaria como integrante do grupo. Agora, em 2022, recebi novamente o convite, o qual me foi feito pela Ivana Ferrante Rebello e Almeida. Da mesma maneira, argumentei com ela sobre a não publicação de obras ficcionais. A professora Ivana replicou, contra-argumentando no sentido de que os meus trabalhos e pesquisas acadêmicas, especialmente no que se refere à produção de autoria feminina, referendariam a minha inclusão na Academia. Após muito refletir, decidi aceitar o convite, na expectativa de que se trata de um espaço de múltiplas perspectivas intelectuais, em que poderei ampliar a minha percepção de vida e cultura.
Você escreveu um livro em parceria com Ivana Rebello. Conte-nos um pouco sobre o livro.
Em 2017, publiquei, em coautoria com as pesquisadoras Ivana Ferrante Rebello e Almeida e Carla Roslema Atayde de Moraes, o livro “Fragmentos de memórias: arquivo da história e da paixão no ensino superior”. Este livro é resultado de um projeto de mesmo título desenvolvido por nós no âmbito da Unimontes, e reúne memoriais de professores aposentados do Departamento de Comunicação e Letras da Universidade. Esta pesquisa propôs-se a ser um instrumento de resistência à destruição dos suportes materiais da memória da docência no ensino superior. Contatamos professores aposentados e os convidamos a redigirem suas experiências. Este trabalho, por meio da recuperação da memória dos professores aposentados é, também, um elemento de construção da própria história do Departamento de Comunicação e Letras e, por conseguinte, da Unimontes e de sua importância ao longo de décadas.
Você é pesquisadora da área das mulheres em letras. Como desenvolve esse trabalho?
Após desenvolver pesquisas em nível stricto sensu voltadas à literatura contemporânea, os meus recentes trabalhos na área de literatura infantojuvenil acabaram remetendo-me a estudos específicos sobre a autoria feminina. O meu projeto atual tem como principal objetivo estudar a produção e a vida da escritora e folclorista mineira Alexina de Magalhães Pinto, nascida em São João del-Rei em 1869 e falecida ‘’em Petrópolis em 1921.
Você também estuda sobre as escritoras do início do século XX que foram esquecidas.
Entre os fundamentos dos meus estudos, elenca-se o conceito de memoricídio feminino, que tem sido elaborado pela pesquisadora Constância Lima Duarte (UFMG), que inclusive supervisiona minha atual pesquisa de pós-doutorado. A partir desse conceito – memoricídio feminino –, tentamos resgatar do apagamento e silenciamento autoras que tiveram produções importantes em suas épocas, mas que acabaram sendo esquecidas, como é o caso da Alexina de Magalhães Pinto.