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Variedades

Mundo em duas rodas

Com relevo plano e ondulado MOC é o paraíso das bicicletas

Manoel Freitas
Publicado em 17/02/2023 às 22:10.Atualizado em 17/02/2023 às 22:14.

São inúmeros os benefícios de andar de bicicleta para a saúde, além de contar a seu favor o fato de ser um veículo sustentável, como regra de baixo custo e ideal para centros urbanos planos e ondulados (90% do relevo) como Montes Claros. De modo que melhora a qualidade de vida e a resistência muscular, aumentando a endorfina no organismo, neurotransmissor ligado à sensação de conforto e tranquilidade.

Portanto, não é à toa que, segundo dados da Bicycler-Guider, há mais de um bilhão de bicicletas no mundo, cerca de 40 milhões no Brasil, a despeito de o país ter apenas quatro mil quilômetros de ciclo faixas e ciclovias. Durante a pandemia do Coronavirus, de acordo com o governo federal, as bicicletas tiveram um boom, com abertura de 4.800 empresas com atividades econômicas relacionadas ao setor de bicicletas, posto que um grande número de pessoas evitaram o transporte público para se locomover. 

Montes Claros faz parte da história da indústria de bicicletas no Brasil. A francesa Peugeot desembarcou no município em 1977, para produção 100% nacional. Contudo, as bicicletas, que traziam o emblema do leão da Peugeot, bem como o slogan “produzir bicicletas como quem fabrica automóveis”, sobreviveu no mercado apenas cinco anos, sobretudo em face de problemas com a sociedade da marca francesa com os sócios brasileiros. Por sinal, foi nessa época que, por conta do grande número de franceses e argentinos que trabalharam na montagem da fábrica em Montes Claros, que teve início na cidade o ciclismo de competição. 

Para falar sobre o tema, O NORTE ouviu quatro personagens distintos. Primeiro, o ex-atleta internacional e técnico de processos de montagem de bicicletas da Peugeot, Juan Manoel Farina, que assiste na atualidade suas filhas seguir o caminho das competições profissionais. O odontólogo Sérgio Costa de Oliveira, que preside a Associação dos Ciclistas de Montes Claros, que reúne 350 pessoas, que aponta a cidade como “abençoada” para prática do ciclismo. Igualmente, ouviu o colecionador de bicicletas antigas Cláudio Macedo e o jardineiro Edmar dos Santos, que faz de sua bike fabricada há mais de 50 anos instrumento de trabalho. 

Ciclismo de competição

Nascido em Buenos Aires em 1944, o desportista Juan Manoel Farina, além de praticar atualmente o ciclismo de estrada, foi o pioneiro em ciclismo de competição em Montes Claros, para onde veio em 1978 como técnico de processos de montagem de bicicletas, a fim de trabalhar na implantação da unidade industrial da francesa Peugeot. A Fábrica de bicicletas fechou cinco anos depois, mas Juan se estabeleceu na cidade, onde realiza competições até hoje, muitas das quais com participação de atletas de elite do Brasil. 

Aliás, desse esporte de alto desempenho Farina entende muito bem. Sagrou-se campeão argentino na categoria sub-23 em 1967 e posteriormente foi contratado pela equipe da Associação Ciclista de Buenos Aires para disputar competições de alto nível. Em sua trajetória, representou a equipe Emelec, de Guayaquil, no Equador, oportunidade em que competiu várias provas naquele país, bem como das voltas ciclísticas do Panamá e Venezuela, bem como de campeonatos na Colômbia, Estados Unidos e no Canadá.

Idealizou e organizou durante sete anos o “Grande Prêmio de Montes Claros”, sempre no dia do aniversário da cidade, competição que recebeu pontuação máxima da Confederação Brasileira de Ciclismo, comparada com a “Nove de Julho”, a maior prova de ciclismo do Brasil. Esse ano, em 29 de janeiro promoveu prova intitulada Criterium, mas outras cinco provas estão programadas. No dia cinco de março, realiza a 17ª Cromoescalada; em sete de maio, 16ª desafio estrada da produção; no dia nove de julho, o 7º Grande Prêmio AABB; em três de setembro, Bicimax Ciclismo; e, em seis de novembro, o encerramento da temporada.

A O NORTE, na quarta-feira (8), Farina disse que “se tivesse que fazer tudo de novo, o faria sem pensar”, argumentando que o ciclismo é que possibilitou sua permanência em Montes Claros. Lembrou ser grato ao esporte por tê-lo projetado no cenário internacional e, emocionado, falou com orgulho de suas duas filhas, Lorena e Sol, que moraram em Montes Claros e que hoje participam de competições na Argentina e em diversos países, “Sol, como maratonista e Lorena, a mais nova, como triatleta, que me enchem de orgulho e grande satisfação, porque sei dos desafios de esportes de alto desempenho”. 

Natureza e filantropia

Sérgio Costa de Oliveira, presidente da Associação dos Ciclistas de Montes Claros, recebeu O NORTE para falar sobre o crescimento da atividade no município. E foi só otimismo: “Montes Claros é um paraíso para quem gosta de andar de bicicleta, um lugar abençoado para pedalar, cidade relativamente plana, mas que tem muita serra em volta, ideal tanto para prática de mountain bike, como speed (ciclismo de estrada)”. Além disso, argumentou que “o povo do Norte de Minas é acolhedor, em qualquer comunidade ou cidade que chegamos, somos recebidos de braços abertos, é impressionante, isso para o ciclismo é uma mão na roda”. 

Explica que a ideia de montar uma associação nasceu quando grupo de ciclistas começou a movimentar o Parque Estadual da Lapa Grande, distante 8 km do centro da cidade, “só que a unidade de conservação era limitada, tinha apenas uma trilha de 14 km, então você tinha que ir e voltar em cima do rastro”. Foi quando, observou, que teve início conversa os gestores da unidade de conservação, que resultou na criação de novas trilhas, “porque o parque é o lugar ideal para você pedalar”. 

Com relação às alternativas dentro do parque, Sérgio diz que “lá é um banquete completo, tem altimetria, ou seja, você precisa fazer uma forcinha para cobrir os percursos, tudo com fauna e flora exuberantes, então o lugar perfeito para descansar a cabeça e hoje temos mais de 100 km de trilhas, com possibilidade de chegar a 200 km”. E foi para facilitar a comunicação com a diretoria do parque e com o poder público, que criaram a Associação dos Ciclistas de Montes Claros. A entidade tem 350 pessoas cadastradas, “pouca gente, porque temos a informação que mais de quatro mil pessoas praticam o ciclismo hoje na cidade, sem contar que existe estimativa de que 30% da população brasileira têm bicicleta”. 

Hoje, dando aulas e exercendo a odontologia, frisa que o objetivo seu e do grupo é “melhorar a ciclomobilidade, o trânsito da cidade, favorecer seu uso no dia a dia e chegar ao trabalhador, para que ele vá ao trabalho pedalando”. Informou que a Associação tem um projeto social. “Todos os anos, organizamos o “Pedalando para o Natal”, 30 horas pedalando ininterruptamente, para arrecadar alimentos e entregar para instituições que atuam em locais por onde passamos e que temos consciência de que os moradores precisam”. 

Em outra frente, observa que “já plantamos mais de 400 mudas de plantas nativas no Parque da Lapa Grande, ou seja, o ciclista planta sua muda e tem que fazer registros durante um ano para comprovar que está efetivamente cuidando das mudas”. Só depois de completar esse período, assegura, “é que o associado recebe uma camisa de alto padrão, estímulo porque tem de volta o valor que pagou para se inscrever”. 

O ganha pão

Além de seu uso para atividades de lazer, transporte e competição, a bicicleta, principalmente de carga, possibilita outro tipo de oportunidade, o trabalho. Na quarta-feira (8), O NORTE pôde acompanhar parte da rotina do jardineiro Edmar dos Santos, de 63 anos de idade, 30 dos quais a serviço de escritórios e clínicas médicas, em bicicleta adaptada, em substituição aos tradicionais carrinhos de mão. 

Seu Edmar, que conheceu a bicicleta quando deixou a vida no campo para morar na cidade grande, em todos esses anos utiliza bicicleta Monark de carga, fabricada em 1960. Disse ter sido a solução, dada à impossibilidade de comprar veículo motorizado. Por outro lado, argumenta que a adaptação, além de atender suas necessidades, “não gera custos de assistência e mantém a saúde em dia”. 

Morador do Bairro Major Prates, o jardineiro disse que é comum, em um mesmo dia, trabalhar em duas empresas distintas, “uma distante até oito quilômetros da outra”. Mostrou à reportagem como é possível transportar na bicicleta de trabalho até mesmo aparador de grama elétrico, que pesa 18 kg. Sobra ainda espaço “para o ancinho (rastelo), podão, serrote, tesourões, pá de jardinagem, regador, mangueira, luvas, alicate de enxerto, enxada e escavador”.

Edmar dos Santos falou à reportagem enquanto cuidava dos jardins de clínica cardiológica. Aproveitou a oportunidade para dizer que “pedal é tão bom para a saúde, que já fiz muitos exames do coração e a doutora Maxcileila Melo Leal, uma das proprietárias, disse que eu não tenho nada e que posso continuar trabalhando e pedalando”

Paixão de pai para filho

Milhões de pessoas no mundo inteiro colecionam os mais diversos objetos. Mais que um simples hobby, trata-se atividade cultural por excelência, de arte que estimula o aprendizado, responsável por grande parte do conhecimento que temos de nosso passado, posto que grandes acervos tiveram ao longo da história início através de pequenas coleções particulares.

Nos dias atuais, as coleções são facilitadas por um número sem fim de sites especializados e clubes de pessoas com os mesmos interesses, que aprimoram suas habilidades através de classificação de organização de seus acervos, bem como aguçam o senso de responsabilidade e cuidado. Montes Claros não foge à regra: há quatro anos, 76 colecionadores de bicicletas integram grupo que, além facilitar a compra e venda de bicicletas, por ocasião do Dia das Crianças e Natal, recupera e doa bicicletas para crianças carentes. 

A saga do comerciante Valdir Macedo, pioneiro no aluguel e venda de bicicletas na cidade, é contada pelo seu filho, o colecionador Cláudio Macedo, de 50 anos. Lembra ter herdado do pai essa paixão. “Ele chegou a Montes Claros de Curvelo em um trem da Central o Brasil, com um colchão e seis bicicletas, entre as quais a Philips 1939, na bagagem, então, nos finais de semana alugava durante o dia as bicicletas na Praça da Matriz e à noite na Praça da Catedral, ou seja, para os de melhor posse, na parte baixa, como era conhecido o centro histórico, onde residiam os grandes produtores rurais, e na parte alta, clientela com menor poder aquisitivo”, informa o também servidor da Unimontes, que preside o Clube de Bikes Antigas de Montes Claros, hoje com 76 colecionadores

Cláudio Macedo explica que a primeira bicicleta de sua coleção foi uma Philips inglesa, 1939, “que gastei seis anos para montar uma homenagem ao meu pai, que começou a alugar bicicletas, em 1942, até ser mecânico e, depois em 1947, um grande comerciante de bicicleta na cidade, exclusivo da Monark, na época a mais vendida”.  Observa que uma Philips 1939 custa no mercado hoje mais de R$ 10 mil, “uma bicicleta rara, o equivalente ao Cadillac das bicicletas antigas, confortável, boa de andar, e eu tenho ela tanto masculina como feminina”. 

Com a paixão por bicicletas, Cláudio Macedo acabou conhecendo outros colecionadores na cidade, quando criaram o Clube de Bikes Antigas de Montes Claros, da qual é presidente. “Hoje somos 76 colecionadores, então fazemos encontros mensais, com passeios pela área central, com foco na filantropia, porque há quatro anos recolhemos bicicletas infantis, restauramos e, no Dia das Crianças e Natal, fazemos doação para crianças carentes”, finalizou o dirigente e colecionador.

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