Na semana em que se celebra o Dia do Trabalhador (1º de maio), o jornal O NORTE volta seu olhar para a qualidade das relações de trabalho, destacando também questões como o preconceito enfrentado por diversos profissionais — temas que, embora recorrentes, merecem atenção renovada.
Em Montes Claros, mulheres trans enfrentam obstáculos para acessar o mercado formal de trabalho. Segundo a cientista social Letícia Imperatriz Ferreira de Souza, as dificuldades começam ainda na infância, com o abandono escolar precoce e o afastamento familiar, fatores que comprometem o desenvolvimento pessoal e a projeção de futuro. “Isso acaba nos deixando sem uma base, sem um apoio essencial para termos uma orientação sobre como nos mover no mundo”, afirma.
Segundo dados de 2024 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), somente 4% das pessoas trans e travestis atuam no mercado de trabalho formal, e apenas 0,02% tiveram acesso ao Ensino Superior. Letícia destaca que a falta de acesso à escolarização e à profissionalização restringe as oportunidades a áreas repetitivas, como estética e cozinha. “É como se dissessem: ‘Você só pode estar aqui’. Isso nos limita demais”. Ela relata que o preconceito persiste mesmo nos poucos espaços conquistados. “Há companheiras que dizem que os maridos proíbem as esposas de irem a salões onde trabalham mulheres trans”.
Letícia viveu essa realidade após ser demitida abruptamente, sem justificativa formal, pouco depois de sua transição de gênero. “Fui informada extraoficialmente que um colega precisava da vaga, mas até hoje ela está em aberto. Fiquei sem alternativa e tive que recorrer à prostituição”, conta.
Ela enfatiza que o problema não está na identidade de gênero, mas na falta de acolhimento por parte das empresas. Para haver inclusão de verdade, defende um compromisso coletivo contra o preconceito e destaca que a diversidade deve ser reconhecida como uma riqueza. “As empresas promovem capacitações para todos. Então, por que não incluir também quem é considerado ‘fora do padrão’?”, questiona.
Letícia finaliza com uma mensagem de resistência e esperança. “Não deixem de sonhar e de esperançar. A esperança não como espera passiva, mas como ação. Nossa luta é árdua, mas a palavra-chave é esperança e ousadia. Aos empregadores, é preciso ousar enxergar os invisíveis. Isso pode fazer um grande diferencial tanto para a própria empresa como para a sociedade.”
RETROCESSOS E AVANÇOS
Outro exemplo de trabalhador muitas vezes invisibilizado é o da faxineira Claudia Santos Silva, que acredita que o reconhecimento do trabalho doméstico pode vir da cooperação mútua entre patrões e empregados. “Vejo um ajudando o outro da melhor forma! O nosso reconhecimento é sempre bem-visto no mercado de trabalho”.
Atualmente, cerca de seis milhões de brasileiras e brasileiros atuam como trabalhadoras e trabalhadores domésticos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já as estimativas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) apontam que 5,8 milhões de pessoas exercem essa atividade, representando 5,9% da força de trabalho nacional. Entre elas, 92% são mulheres, das quais 67,3% se autodeclaram negras — evidenciando um recorte marcante de gênero e raça. Os números reais, no entanto, podem ser ainda maiores.
Apesar dos avanços, Claudia reconhece que ainda há muito preconceito em relação ao trabalho doméstico, principalmente quando comparado a outras categorias. “Só quando fui para essa área é que percebi as diferenças… Não em todos os lugares, mas há muitos desumanos que tratam você como um lixo de pessoa”, lamenta.
Questionada sobre o que poderia ser feito para valorizar mais essa categoria no Brasil, ela demonstra ceticismo. “Fica difícil pensar nessa hipótese… Não consigo imaginar o que poderia mudar. Para mudar, teria que mudar o ser humano — e isso está muito difícil de acontecer.”
Ainda assim, faz um alerta. “Sabendo das dificuldades que está a mão de obra nessa área, caberia a cada um que necessita ou precise valorizar mais, porque está cada vez mais escasso”, conclui.