Gissele Niza
Repórter
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Dois meses de planos e estratégias para uma fuga perfeita no dia 17 deste mês. Preso na manhã de ontem,quando tentava fugir para a cidade de Coração de Jesus, um dos líderes da fuga de seis presos ocorrida exatamente na segunda-feira programada, da cadeia pública de Montes Claros, Celso Dias dos Santos, 32 anos, falou com exclusividade à reportagem de O Norte sobre os detalhes do plano de liberdade.
(fotos: Gissele Niza)
Segundo Celso, que machucou a perna durante a fuga e ainda está mancando, dez homens participaram do plano durante dois meses.
- Nos encontrávamos sempre no banho de sol e a cada encontro planejávamos os mínimos detalhes para que nada desse errado. Era para ser uma fuga perfeita, não tinha como errar. Mesmo antes de cavar os buracos, já tínhamos todas as medidas do buraco do banheiro e do túnel definidos.
Celso disse ainda que os instrumentos utilizados para cavar o túnel foram arrancados do pátio da cadeia.
- Antes da reforma do pátio, os ferros das grades da fossa estavam soltando. Retiramos os dois ferros mais grossos de aproximadamente 40 centímetros durante o banho de sol e escondemos para o dia principal. Aí, planejamos como seria cavado o túnel, tinha que ser perfeito, para que ninguém se machucasse. No entanto, eu mesmo me machuquei ao ferir a perna dentro do túnel. Observamos toda estrutura da cela para que o buraco entre uma e outra fosse feito sem ninguém perceber - e foi o que aconteceu. Os agentes passaram na sexta em revista e decidimos que seria o dia certo, com os chuços tiramos toda a massa da parede só raspando, e o buraco foi feito sem barulho nenhum.
CRONOGRAMA
Segundo Celso, este seria o segundo passo para a fuga perfeita. A primeira foi uma suposta briga no domingo anterior à fuga, dia 9, para que fosse transferido para cela 10 e colocar o plano em pratica.
- Eu tava na cela 5. No banho de sol, combinei com os caras que ia arrumar uma briga e falar que eles me aceitavam na cela 10, que não poderia ficar na cela 5. No domingo fingimos uma briga, eu e um cara chamado Cebola. Chamei os agentes penitenciários e avisei que não podia ficar na cela e a primeira parte do plano foi concluída.
CAVANDO
Ainda segundo o detento, 10 homens, 5 de uma cela e 5 de outra, se revezaram durante três dias para cavar o buraco.
- Logo que os caras pularam da cela 09 para cela 10, na noite de sexta-feira, começamos a cavar o túnel. Demoramos três dias, tínhamos planejado que o túnel teria que ser em formato de um quadrado em seqüência. Então, revezávamos para ninguém ficar cansado e atrapalhar na hora de fugir. Para abafar o barulho e ninguém desconfiar, como aconteceu, enquanto um segurava três cobertas enroladas no chuço, outros iam escondendo a terra, que teria que ficar no banheiro. Assim que terminamos de cavar o túnel, ainda era madrugada, fugimos e uns caras ficaram para trás. Para minha família, foi uma surpresa, ninguém sabia de nada.
CORRUPÇÃO E CRIMES
Questionado pela reportagem se existe facilitação por parte dos agentes penitenciários para entrada de drogas e armas no cadeião, Celso foi enfático ao responder.
- Tá doida? Hoje, não entra nada lá, os caras são novos, têm medo de perder o emprego. Não deixam entrar nada, nem alimento. Eu não sei o que tem a ver entrar biscoito e outras coisas, mas nem isso eles deixam. Já aconteceu demais, entrava de tudo lá, mas hoje não entra nada, nada mesmo. As coisas que ainda tem lá são antigas, escondidas da época que ainda entrava. Para entrar agora tem que ser muito esperto.
Celso Dias de Freitas, que está no cadeião desde 21 de março deste ano, quando foi preso por ter um mandado de recaptura do estado de São Paulo, onde cumpriu pena por tráfico de drogas e assalto. É acusado de assassinar com 3 tiros um homem conhecido por Marcos Vinicius, em 2003, no aglomerado Cidade Cristo Rei, popularmente conhecido como Feijão Semeado.
COMO MATOU
- Em 2003, Marcos Vinicius criou birra comigo. Todo mundo sabe que o pessoal do Feijão tem rixa com os do Esplanada, mas eu não dei motivos para que ele mexesse comigo, foi pura ignorância, infantilidade dele. Um dia, ele veio com um revólver e disparou dois tiros contra mim, tenho a marca da bala até hoje no braço. Fiquei calado, sai e voltei armado, com um revólver de calibre 38, que trouxe de São Paulo e fiquei parado. Ele (Marcos Vinicius) veio para cima de mim de novo e aí começou o tiroteio. Atirei em legitima defesa. Ele morreu com três tiros.
A FUGA
A fuga dos seis presos aconteceu por volta das 5 horas de segunda-feira, 17, quinze dias após a conclusão das obras de reforma do cadeião, quando foram investidos exatos R$ 866 mil no reforço da segurança do local.
Apesar de 12 câmaras instaladas no cadeião, com visão de 100% da ala de circulação interna e externa do local, ninguém percebeu a movimentação dos presos que conseguiram abrir um buraco na parede do banheiro da cela 09 para 10, além de um túnel com aproximadamente 40 centímetros de largura e seis metros de profundidade. O túnel dava acesso à rua por onde os presos fugiram.
Rodrigo de jesus souza, 20 anos, que ainda está foragido
Conseguiram fugir pelo túnel: Gilmar Soares Costa, 25 anos, preso em 16 de agosto de 2003, que tem registrado em sua ficha criminal uma tentativa de fuga no dia 27 de novembro do ano passado, quando foram apreendidos dois celulares, uma talhadeira e um carregado na cela 6. Gilmar é acusado de ser o autor de dois homicídios (121) e de crime de peculato, desvio de dinheiro público (312); Wanderson Mendes de Jesus, 23 anos, preso desde cinco de junho do ano passado, acusado de assalto (art. 157); José Augusto Sampaio dos Santos, 37 anos, preso desde o dia 6 de março deste ano, acusado de assalto e formação de quadrilha - art. 157, 159 e 288; Adriano Guilherme de Jesus, 20 anos, preso em flagrante no dia 12 de agosto do ano passado, acusado da prática de assalto; estes quatro recapturados minutos depois da fuga nas proximidades do cadeião; Celso Dias dos Santos, 32 anos, que foi recapturado ontem; e Rodrigo de Jesus Souza, 20 anos, preso em flagrante no dia 17 de janeiro deste ano, também por assalto, que ainda está foragido.
TRANQÜILIDADE
Apesar de toda deficiência humana do cadeião, esta foi a primeira fuga registrada nos últimos nove meses, quando o delegado Saulo Nogueira assumiu a direção do local.
No ano passado, várias fugas, rebeliões e motins foram registrados no cadeião, mas o trabalho conjunto realizado pela diretoria, policia civil e militar e poder judiciário tem evitado grandes incidentes no local.
RECAPTURA
Celso foi recapturado por volta das 10 horas de ontem, às margens da BR 365, dentro de um ônibus de empresa que faz transporte intermunicipal, quando tentava fugir para cidade de Coração de Jesus.
Minutos antes da prisão, uma equipe do serviço de inteligência da polícia militar recebeu denuncia anônima de que Celso estaria fugindo. No local, a equipe de policiais encontrou com o fugitivo e acionaram o sargento Machado, Cabo René e Cabo Elano (Rotam), que efetuaram a prisão.
As roupas de Celso foram entregues à sua namorada, que mora na Vila Regina. Com o detento foram apreendidos 28 maços de cigarros, R$ 43 em dinheiro, creme de pele, escova e pasta de dente, três sabonetes, uma sandália e dois desodorantes.
Celso informou que ficou escondido desde segunda-feira na casa de parentes e que estava seguindo para Coração de Jesus, onde se esconderia em uma fazenda.
SEGURANÇA
O diretor da cadeia, delegado Saulo Nogueira (foto: Wilson Medeiros), também falou à reportagem de O Norte e voltou a afirmar que a situação do local é extremamente delicada.
- Como já disse, em um local construído para 90 presos e que hoje conta com mais de 400 detentos amontoados em 30 celas, como se fossem animais, a situação é extremamente delicada, humanamente impossível garantir a segurança. São apenas 3 agentes penitenciários por turno para cuidar da segurança de um local superlotado. Os presos ficam lá o tempo todo só planejando fugas.
O delegado lembrou ainda que os detentos arrancam parte do material de segurança da estrutura do local como armas e instrumentos para cavar túneis.
- As placas de ferro das grades das celas e as armações da tampa dos bueiros por exemplo, que são construídas com concreto e armação de ferro, que fazem parte da segurança do local, são utilizadas pelos presos como armas para matar e como instrumentos de fuga.
Sobre a questão citada pelo detento de que havia corrupção por parte dos agentes responsáveis pela entrada de materiais ilícitos no cadeião, o delegado informou que todos os agentes suspeitos de estarem facilitando a entrada de drogas, armas e outros materiais no cadeião foram exonerados.
- Não ficou ninguém e se houver qualquer suspeita de que ainda existe alguém facilitando qualquer ato ilícito no local também será exonerado.