Gissele Niza
Repórter
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A polícia federal de Montes Claros, e o ministério público estão investigando novas denúncias de desvio e apropriação de recursos públicos envolvendo vereadores da câmara municipal de Montes Claros.
A informação foi repassada a reportagem de O Norte na tarde de sexta-feira, 14, pelo chefe da polícia federal, delegado Marcelo Eduardo de Freitas, que entregou, às 14 horas, ao ministério público, o inquérito concluído com 1.078 páginas sobre as investigações do desvio de verba que seria praticado por oito vereadores e um suplente da câmara municipal, através de prestação de contas mensais com apresentação de recibos ‘frios’ supostamente emitidos por agências franqueadas dos Correios.
Também foram encaminhados ao ministério público juntamente com o inquérito, depoimentos e documentação referentes à suposta ‘Máfia dos Combustíveis’ e do desvio de recursos destinados à remuneração de servidores contratados dos respectivos vereadores envolvidos no esquema.
CRIMES
Foram indiciados pelos crimes de peculato, apropriação indevida de recursos públicos, falsificação e uso de papéis públicos e furto qualificado; e estão sujeitos a pena de até 31 anos de reclusão os vereadores Raimundo do INSS, Aurindo Ribeiro, Athos Mameluque, Marcos Nen, Fátima Pereira, Ademar Bicalho, Júnior de Samambaia e Lipa Xavier; o suplente de vereador Rosemberg Medeiros; os ex-funcionários de franquias dos Correios, Ranieri Robson de Almeira, que segundo a polícia federal pode ser o pivô do esquema, e que confirmou as fraudes em depoimento, e Erley Ferreira Câmara, presos no último dia 6 durante a operação ‘Pombo Correio’.
MÁFIA DOS COMBUSTÍVEIS
De acordo com o chefe da PF, no intervalo em que foi deflagrada a operação Pombo Correio até a data do relatório do inquérito, sexta-feira, a delegacia recebeu diversas ligações anônimas sobre a suposta ‘Máfia dos Combustíveis’ e do desvio de parte da remuneração destinada aos servidores da Câmara.
- Durante a conclusão do inquérito, várias denúncias chegaram à delegacia sobre irregularidades na câmara praticadas por vereadores. Inclusive, compareceu uma pessoa que foi chefe de gabinete de um vereador, relatando fatos gravíssimos envolvendo a câmara, especialmente na questão do desvio de recursos dos combustíveis. Esta pessoa apresentou documentos e relatou fatos graves referentes à questão dos combustíveis. Houve também inúmeras denúncias anônimas relatando a apropriação por parte dos vereadores da remuneração que seria destinada aos servidores contratados – informou o delegado.
Marcelo Freitas informou ainda que segundo depoimentos de testemunhas cerca de 80% dos vereadores estariam envolvidos na Máfia dos Combustíveis de 2001 até hoje, utilizando de notas frias de três postos da cidade.
- O ministério público já tem uma investigação em andamento neste sentido, especialmente na questão dos recessos parlamentares em que os vereadores não estariam utilizando os carros para fins públicos, mas utilizavam verba de combustível. As denúncias, tanto dos desvios de verbas dos combustíveis e da remuneração dos servidores foram entregues ao ministério público com quem a polícia federal trabalha em parceria para apurar os fatos – observou o delegado.
ESQUEMA
Questionado por O Norte sobre como funcionária o suposto esquema da Máfia dos Combustíveis, o chefe da PF explicou:
- Segundo as testemunhas ouvidas, para justificar os gastos da verba de gabinete os vereadores se valiam de documentos fiscais referentes à prestação de serviço ou aquisição de produtos que de fato nunca ocorreram. Como exemplo: um vereador declarava que teria utilizado R$ 700 reais em combustível, mas na nota apresentada não consta quilometragem e nem a placa do veículo, ou seja, não tem nenhum dado que comprove a utilização do produto supostamente adquirido. Nas notas só constam os valores de combustíveis que provavelmente nunca foram fornecidos.
Sobre a questão de haver pagamento aos proprietários dos postos de combustíveis sob o valor das notas frias emitidas, o delegado Marcelo Freitas informou:
- Tudo está em fase de investigação, mas há indícios de que os proprietários dos postos recebiam, sim, valores para emitir as notas. Ninguém fornece uma nota fiscal fria sem que haja pagamento de uma porcentagem.
SALÁRIOS
Já sobre o suposto esquema de apropriação de parte da remuneração destinada aos servidores contratados dos respectivos gabinetes dos vereadores, o chefe da PF explicou que segundo as testemunhas, os servidores contratos recebiam documentalmente um valor X, mas ficariam apenas com a metade deste valor. O restante seria destinado ao vereador.
DEPOIMENTOS
O delegado informou ainda que o contador da câmara, Ivan Fonseca, contribuiu em diversos pontos durante a conclusão do inquérito.
- Um dos pontos foi a contabilização espontânea da prestação de contas dos vereadores, quando o contador efetivou levantamento e constatou a duplicidade dos documentos. Comunicou ao presidente da câmara e apresentou os documentos originais à polícia federal. Outro ponto importante foi quando o ele (Ivan Fonseca) pode esclarecer os fatos ocorridos na substituição de Ranieri por outro funcionário da franquia dos correios.
Ao contrário do que os vereadores apoiados pela comitiva de 14 advogados relataram em coletiva a imprensa, no último sábado 8, de que não sabiam que Ranieri não prestava mais serviços à Casa como atendente externo dos Correios, desde janeiro de 2005, Ivan Fonseca teria informado à PF que desde o início do ano passado outro funcionário da franquia dos Correios, que teve seu nome preservado, compareceu à gerência da câmara e informou a substituição.
- Segundo os depoimentos do contador, o funcionário que substituiu Ranieri teria passado em todos os gabinetes e se apresentado como novo atendente externo. O que evidencia que todos os vereadores, a partir de janeiro de 2005 sabiam que Ranieri não era mais funcionário dos Correios – completou o delegado.
INTERNET
Ainda segundo o chefe da PF, as mensagens postadas na internet pelo contador Ivan Fonseca e pelo vereador Athos Mamuluque, no último dia 8, bem como a mídia da coletiva à imprensa no plenário da câmara municipal foram encaminhadas ao ministério público para que sejam tomadas as providências cabíveis no âmbito penal quanto à questão administrativa.
- É importante esclarecer que as mensagens postadas tanto pelo contador Ivan Fonseca quanto pelo vereador Athos Mameluque, em site da internet foram exploradas no inquérito policial. A fita da coletiva à imprensa foi requisitada para que o ministério público analise a questão de improbidade administrativa, que pode gerar diversas situações: desde advertência à perda dos direitos políticos dos vereadores. Na visão da polícia federal, os parlamentares não poderiam utilizar um espaço público e a casa pública permitindo que 14 advogados utilizassem a tribuna da câmara para fazer defesa de situações particulares.
DUPLICIDADE
Ainda segundo o delegado Marcelo Freitas, também consta no inquérito informação de que três vereadores teriam apresentado pessoalmente recibos em duplicidade.
- Os vereadores Ademar Bicalho, Lipa Xavier e Júnior de Samambaia apresentaram recibos em duplicidade. Na prestação de conta consta que estes vereadores apresentaram os mesmos recibos duas vezes – completou o delegado.
Os recibos apresentados à polícia federal mostram postagens suspeitas no valor de R$ 44.972, em nome da vereadora Fátima Pereira; de R$ 16.708,68, em nome de Eurípedes Lipa Xavier; de R$ 13.962, em nome do vereador Júnior de Samambia; de R$ 13.298, em nome de Ademar Bicalho; de R$ 9.401,85, em nome do vereador Athos Mameluque; de R$ 8.379, em nome de José Marcos Nen; de R$ 7.624,87, em nome de Aurindo Ribeiro; e R$ 6.882,18 em nome de Raimundo Pereira. No relatório, também aparecem com postagens suspeitas os suplentes Aldair Fagundes (R$ 624), Gilson Dias (R$ 1.700) e Zé Faquir (R$ 600), além do ex-vereador Rosemberg Medeiros, com R$ 6.000.
NADA A DECLARAR
Procurado pela reportagem de O Norte um dos advogados dos vereadores, o ex-juiz Carlos Humberto Cruz informou que:
- Não temos nada a declarar. Vamos esperar o pronunciamento do ministério público.
FRAUDE
O delegado Marcelo Freitas informou ainda que as investigações foram iniciadas no dia 25 de maio deste ano, quando foi instaurado inquérito para apurar o desvio de recursos públicos que seriam praticados pelos vereadores, através da prestação de contas mensais com apresentação de recibos frios supostamente emitidos por agências franqueadas dos correios.
Na época, o chefe da PF solicitou ao presidente da casa, vereador Ildeu Maia, os documentos relativos à prestação de contas dos vereadores no período de 2004 a 2006, e o ofício aos Correios de número 25/2006, datado de 06 de junho deste ano, para averiguar a idoneidade dos recibos apresentados pelos vereadores.
Segundo o delegado, foi apurado, durante as investigações, que não havia prestação de serviço para as notas apresentadas pelos vereadores e que além dos recibos subtraídos das agências franqueadas pelo ex-funcionário, Raniere e por Erley, os vereadores utilizaram tais recibos com duplicidade, ou seja, um mesmo recibo teria sido utilizado várias vezes por vários vereadores.
A estimativa da polícia federal, que deve concluir o inquérito na próxima semana e encaminhá-lo ao ministério público estadual, é que o desvio de recursos públicos foi de, aproximadamente, R$ 150 mil, apenas com assinaturas originais.
PRISÃO
Os acusados foram presos na manhã do dia 6, simultaneamente às 6 horas da manhã em operação envolvendo cerca de 60 policiais federais de todo o estado, de 12 delegados e após serem ouvidos encaminhados ao albergue da cadeia pública de Montes Claros, com exceção do contador da câmara, que foi liberado após contribuir com as investigações.
Somente na noite de sexta-feira, os 11 acusados ganharam liberdade após hábeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
R$ 18.600
Cada vereador da câmara de Montes Claros tem hoje uma verba de gabinete de R$ 18.600, sendo que R$ 5 mil são utilizados nos gastos indenizatórios, R$ 7 mil para pagamento dos salários dos funcionários dos gabinetes; e R$ 6.600 de salário.