Unanimidade celebrada

Aos 98 anos, Marina Lorenzo Fernandez deixa legado em Montes Claros

Márcia Vieira
marciavieirayellow@yahoo.com.br
Publicado em 27/01/2025 às 19:00.
“Nasci no rio de janeiro, me naturalizei Mineira e meu coração está totalmente em Montes Claros, que amo de paixão” (Anastasia Dogval)
“Nasci no rio de janeiro, me naturalizei Mineira e meu coração está totalmente em Montes Claros, que amo de paixão” (Anastasia Dogval)

Em 1926, nascia no Rio de Janeiro Marina Helena Lorenzo Fernandez, filha do maestro Oscar Lorenzo Fernandez e Irene Sotto. Criada numa casa em que era comum a presença de artistas, como Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Arthur Villa Lobos, Marina desenvolveu seu aprendizado que mais tarde floresceu no Norte de Minas e possibilitou a formação de inúmeros artistas. Marina faleceu no sábado (25), e seu velório ocorreu em Montes Claros no domingo (26). Posteriormente, o corpo foi levado para Belo Horizonte, onde a cremação aconteceu no mesmo dia.

Casada com o mineiro Joaquim Silva, veio em 1947 para Montes Claros. Teve quatro filhos, Ricardo e Irene, nascidos em Belo Horizonte, e Eduardo e Antonieta, nascidos em Montes Claros — “Nasci no rio de janeiro, me naturalizei Mineira e meu coração está totalmente em Montes Claros, que amo de paixão. É uma gente boa, uma gente que compartilha o afeto. Um pedaço de sertão, mas um sertão vivo, forte”, disse Marina em das inúmeras entrevistas que deu ao longo de seus 98 anos. 

Encantada com a Festa de Agosto, Marina, vinda do Rio, mergulhou no folclore e fundou a Faceart, vinculada à Unimontes. Criadora do Conservatório Lorenzo Fernandez, em homenagem ao pai, impressionou Simeão Ribeiro com seu talento ao piano, conquistando um imóvel para o projeto. Embora fruto de esforço coletivo, é consenso que, sem sua dedicação, o hoje estadualizado CELF não existiria.

“Eu tinha a chave, mas não tinha a fechadura. Já havia um grupo que estudava música comigo e pensava em um dia ter uma escola. Então saímos convidando as pessoas, todo mundo animado, emprestamos mesa, cadeira, piano, para a casa que ele nos ofereceu. No dia 29 de março, efetuamos 100 matrículas”, disse Marina em entrevista.

Raquel Ulhôa, ex-aluna diretora do conservatório na década de 2000, destaca que Dona Marina mudou definitivamente os rumos da cultura da cidade. “Ao contrário do que parecia, de ser apenas a música erudita, ela trouxe o acordeom, o violino, a viola, o violão popular, as artes plásticas, as línguas e se liga a todas as instituições que poderiam, de alguma forma, desenvolver e criar as condições para que a cidade desse aos seus artistas o acesso ao mundo e Brasil”, conta Raquel. Por meio de intercâmbios, dona Marina colocou a cidade no mapa dos produtores de cultura.

Para Raquel Muniz, Marina está eternizada na história da cidade. “Uma pioneira, uma visionária. Há quase 64 anos, inaugurou o Conservatório dos mais respeitados de Minas. Ajudou a divulgar para o resto do país, por meio de festivais, a nossa alma sertaneja. Graças a ela, milhares e milhares de talentos foram descobertos e outros tantos aprimorados. Uma herança que atravessa gerações”, diz Raquel, cujas netas estudam no Conservatório. “Quantas crianças, jovens e adultos teriam a oportunidade, ao longo dos anos, de ter acesso a tantas atividades artísticas se não fosse a semente que Marina Lorenzo Fernández plantou lá atrás? Montes Claros se curva a você. Obrigada por tudo, Marina”.

Das muitas homenagens que recebeu, destaca-se a “Medalha Antônio Lafetá Rebello”, instituída em 2015 pelo então prefeito Ruy Muniz, que entregou pessoalmente a comenda. “Ela é uma das personagens mais importantes que contribuiu com o desenvolvimento da cidade como um todo, mas especialmente na arte e cultura. Formou gerações e gerações de artistas. Sistematizou a nossa cultura e nós todos devemos muito a ela. Merece todas as homenagens e reconhecimento. Como montes-clarense, eu digo: ‘muito obrigado, dona Marina. Vá em paz! A senhora cumpriu com louvor a sua missão na terra’”, destacou Ruy Muniz.

‘Respeitar e amar o ser humano’

A vida familiar de Marina Lorenzo era tão rica quanto a profissional e no trabalho ela tinha a parceria do esposo, como contou a filha Irene Fernandez Tourinho. “Papai reconhecia o valor do trabalho de mamãe, reconhecia o esforço, a luta dela, a guerra, os objetivos e, obviamente, mantinha todo o hábito de uma mulher enquanto estava em casa”, diz. A rotina de Dona Marina incluía idas e vindas entre a casa e o Conservatório e o esposo Joaquim era bastante companheiro em tudo, transportando instrumentos como o piano, bem como acompanhando nos concertos ou recebendo os convidados em casa. “Acima de tudo, ele tinha muito orgulho de quem mamãe era, de como ela levava a vida, tanto como professora, diretora, uma pessoa pública, mas também em casa, na criação dos filhos e nos cuidados com ele”, conta. 

Entre os descendentes de Dona Marina, todos passaram, de uma maneira ou de outra, pelas artes. A jornalista Maria Silva e Silvério, neta de Dona Marina, conta que a tia Irene e a mãe, Antonieta, seguiram o caminho com mais ênfase na música. Antonieta foi professora do conservatório da Unimontes e criou e dirigiu o grupo instrumental Marina Silva. Entre os netos, há ainda bailarina, coreógrafa e atriz. No âmbito familiar, sempre houve o incentivo a cultivar todo tipo de arte, mas Maria considera que a lição deixada por Dona Marina vai além. 

O respeito, o amor, o carinho, o acolhimento, o trato com as pessoas e a não diferenciação entre os seres, independentemente de qualquer particularidade como classe social, cor, religião, é o grande legado, conforme Maria. “A gente sempre conviveu com pessoas de diversas origens, de vários lugares, e isso nos foi ensinado desde cedo. Respeitar e amar o ser humano pelo ser humano que é. Isso era muito forte em vovó. Amar e transpirar amor. Esse exemplo não apenas para a família, mas para todos que passaram pela vida dela”, destaca. 

‘Se todos fossem iguais a você’
Atualmente integrando o grupo folclórico Fitas, Maria fala sobre o momento em que soube da partida da avó. “Estava nos preparativos para gravar o documentário de vinte anos do Fitas. Enquanto ela estava partindo, eu estava subindo ao palco para continuar com o legado dela”. Eduardo Fernandez, o caçula dos homens, conta que o ex-prefeito Mário Ribeiro se referia a Marina com uma frase: “A história de Montes Claros tem AM e DM: antes de Marina e depois de Marina”, revela. Eduardo lembra com carinho o início de tudo e acredita que, uma maneira da cidade homenagear a sua mãe, seria ampliando o número de vagas existentes e investindo na instituição. “Hoje, 27 de janeiro de 2025, na sua quarta sede, muito maior, com matrículas abertas, há enorme fila na porta, com pessoas querendo vagas. O que indica que seria uma ótima homenagem à mamãe — e uma maneira de continuar seu trabalho — que pessoas locais se mobilizem para ampliar as vagas e abrir unidades do CELF nos bairros e distritos da cidade”, sugere. E como filho, Eduardo deixa a sua homenagem. “Ah, se todos fossem iguais a você, que maravilha viver!”, encerra.

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