
Foi aprovado em turno único na Câmara de Montes Claros o Projeto de Lei do Executivo que aumenta a contribuição previdenciária dos servidores municipais de 11% para 14%. O texto, que entrou em pauta a pedido do vereador Wilton Dias (PHS), também abre espaço para o município parcelar uma suposta dívida com o Instituto de Previdência dos Servidores (Prevmoc) em até 200 vezes. No entanto, o valor exato do débito não constaria sequer do PL 01/2020.
“No afã de enfiar o projeto goela abaixo, sem discussão com servidores e com o próprio Legislativo, o prefeito enviou o projeto de parcelamento de dívida e não tem o montante, nem o impacto financeiro para o município e para o funcionalismo. O projeto tem problemas”, diz o vereador Fábio Neves (PSB).
Para ele, que se absteve de votar, o texto é passível de questionamento judicial. “O prefeito pediu autorização de parcelamento de uma dívida que ninguém sabe dizer qual é o valor. Quem garante que existe? A Câmara deu ao Executivo mais do que um cheque em branco. Deu uma autorização baseada em nada”.
Colocado em pauta na última hora, por vereadores aliados do Chefe do Executivo, o PL 01/2020 foi votado em regime de urgência a pedido do vereador Aldair Fagundes (PT), porta-voz do prefeito.
CONTROVÉRSIAS
Um dos questionamentos ontem, na Câmara, era quanto ao valor da suposta dívida do Prevmoc, usada como “justificativa” para a aprovação do projeto.
Segundo Marlon Xavier (PTC), que já passou pela administração do Prevmoc, um rombo antigo no instituto, de R$ 15 milhões, teria sido totalmente pago pela gestão anterior. Para ele, se há alguma dívida, foi contraída pela atual gestão municipal.
Ele defende que a questão seja apurada e diz que todas as contas da prefeitura estão sob suspeita, sendo investigadas no Tribunal de Contas do Estado (TCE).
PRESSÃO
Na semana passada, o Prevmoc distribuiu uma nota alegando que não teria dinheiro para pagar os aposentados e pensionistas e que só faria o acerto se os vereadores aprovassem o PL. A atitude causou indignação.
“O artigo 100 da Lei que está em vigência é claro. Diz que é responsabilidade do município fazer o pagamento em caso de insolvência, inadimplência ou em caso de débito atuarial. O prefeito pode fazer agora a transferência para o Prevmoc e não depende dessa lei”, diz Daniel Dias (PCdoB), que se absteve de votar por ser servidor, mas declarou ser contrário ao projeto por ele ter 14 artigos que subtraem direitos da categoria e vão impactar de maneira negativa o servidor.
“Não podemos aceitar esta mentira e colocar a faca no pescoço de ninguém. Defendo o servidor por convicção e não por negociata política. Não é verdade o que foi colocado pelo Prevmoc”, assegurou.
INATIVOS RELATAM PRESSÃO
A pressão pela aprovação do Projeto de Lei que elevou a alíquota previdenciária cobrada dos servidores municipais não foi sentida só no plenário da Câmara. Aposentados e pensionistas pelo Prevmoc dizem ter sido “intimados” a engrossar o coro dos favoráveis ao texto para garantir que continuariam recebendo os próprios salários.
A aposentada Joana Alves da Silva relatou que esteve na prefeitura para falar com o secretário de Planejamento e Gestão, Cláudio Rodrigues, na tarde de segunda-feira e que foi orientada por ele a comparecer à Câmara.
“Quando cheguei à Prefeitura, o Claudinho não quis me receber. A recepcionista disse que ele não estava, mas logo ele saiu de dentro da sala e meio sem graça disse que a culpa era dos vereadores e que eu juntasse o máximo de gente para vir aqui hoje e pressionar os vereadores para votar o projeto. Foram palavras dele”, disse Joana.
“Nunca precisamos passar pela Câmara para receber pagamento. Estou com minhas contas atrasadas. Nós, aposentados, éramos os primeiros a receber e estamos até hoje sem nada. Eles nos informaram no Prevmoc que só iriam pagar se votassem o projeto”, disse.
Representando a mãe, aposentada do Prevmoc há 16 anos, Alex Sandro também foi à Câmara. “Fiquei indignado ao chegar ao instituto e ver a recepcionista distribuindo um comunicado dizendo que não haveria pagamento se o projeto não fosse votado. Tenho conhecimento da lei e sei que o prefeito pode repassar este dinheiro. Ele está com o salário dele em dia. E os aposentados que dependem deste dinheiro para comprar medicamento? O prefeito está esquecendo dos servidores que deram o seu suor e contribuíram durante tantos anos”, disse. Segundo ele, foi a primeira vez que a família enfrentou problema semelhante. “Sempre teve dinheiro para nos pagar”.
O advogado Teddy Marques acompanhou a votação na Câmara e explicou que a matéria da Previdência é discutida amplamente em outros Estados e que apenas em Montes Claros foi votada sem discussão, em regime de urgência, em votação única e simbólica. “Em São Paulo, n esta situação da Previdência está acontecendo confusão; a da União foi complicada e aqui o prefeito teve todas as facilidades para aprovar. Pode ser habilidade política ou outra questão. A mudança na alíquota está prevista na Constituição Federal, não é fora do padrão, mas o que foi colocado aqui é que ele juntou uma discussão polêmica com uma discussão necessária e o foco do debate foi para este ponto. Todo orçamento da seguridade social já é previsto, todos os repasses já são previstos, então não precisava disso. Não existe vinculação de uma parte com a outra”.
Dos cinco vereadores que se abstiveram de votar, um foi o próprio Wilton Dias (PHS), responsável por colocar o PL na mesa de votações. Ele justificou que a decisão foi baseada na “necessidade do servidor”, já que o prefeito Humberto Souto vinculou o pagamento de aposentados e pensionistas à aprovação do documento.
O secretário de Planejamento, em entrevista, afirmou que o que o município arrecada não é suficiente para pagar os aposentados. “Como se trata de uma dívida que o município tem com o Prevmoc, precisa da Câmara autorizar o parcelamento”, disse Cláudio, sem, entretanto, informar o valor da suposta dívida.