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Sexta-Feira,20 de Setembro

Vôlei, pão e circo ao povo ignaro

Jornal O Norte
09/12/2009 às 09:13.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:19



Desde sua formação, o nosso time de vôlei Montes Claros-Funadem me tem despertado contínua atenção. Afinal de contas não é com frequência que nos deparamos com a notícia de que um prefeito destinou uma verba inicial de meio milhão de reais à formação de um time, seja ele de vôlei, de futebol ou de bocha. Não importa a modalidade. A fomentação comprometida do esporte, por parte de iniciativa pública ou privada, é sempre pertinente. Mas não me refiro ao esporte profissional, praticado por cerca de 15 marmanjos financeiramente independentes. Trago à baila a prática esportiva cabível ao povo, aos jovens montes-clarenses e que, em harmonia com uma educação de qualidade, afasta-os do meu celular, da minha carteira, da criminalidade que tanto nos reclusa.

Na última quinta-feira, o Funadem recebeu o Sesi-SP, cujo técnico é o famoso ex-jogador da seleção brasileira de vôlei Giovane Gávio. Propus-me, então, a transgredir a reclusão que os gatunos do meu bairro já vinham me impondo e fui assistir ao jogo de vôlei entre os campões mineiro e paulista de 2009. Mas para não beirar o radicalismo, não ousei a levar minha carteira, nem mesmo as moedas que nela jaziam. Fui duro. Candidamente, imaginei que meu ingresso já estaria quitado, tendo em vista minha participação tributária naqueles 500 mil reais; mas minha ingênua e justa suposição vigorou até o momento em que me deparei com a bilheteria. Indignação. Não fosse um empréstimo de um amigo, minha longa ida ao Monte Camelo seria em vão.

Adentrei o ginásio. Logo na entrada, estava uma placa na qual se encontravam fotos de supostos bem-feitores do esporte, políticos cuja homenagem só lhes custou algumas assinaturas em contratos quaisquer. Lembro-me da foto do ministro Hélio Costa. A do prefeito Tadeu Leite ainda não compunha o rol. E, por mais injusto que seja, minha cara também não estava estampada na fachada. Nem mesmo a sua, leitor, que, como eu, deve ter alguma parcela naquele dispendioso meio milhão. Enfim, por mais que eu tenha pagado o ingresso em dose dupla, não fiquei desapontado, assentei-me para assistir ao tão oneroso jogo.

Dentro do ginásio, que mais se assemelha a um disco-voador, o encanto é contagioso, sobretudo, diante de um jogo acirrado e com casa cheia. Senti-me um dos milhares de espectadores do Coliseu durante o auge do Império Romano. Senti-me um membro da plateia do Anfiteatro Flaviano, prestes a testemunhar um gladiador achacar mais um crocodilo faminto. Vibrei. Encantei-me, boquiaberto. Vi-me na obrigação de procurar o prefeito Tadeu, agradecer-lhe pelo surpreendente espetáculo, pregar-lhe um beijo na testa e dois tapinhas nas costas; quem sabe até tirar-lhe uma foto e estampá-la na fachada do ginásio e na parede da minha sala. Já nem me lembrava da insegurança e de tantos outros problemas de ordem pública já tão incrustados na princesinha do norte. Eu estava ludibriado pela política do Pão-e-circo montes-clarense.

A legítima política do Pão-e-circo. – Não me deixo levar pela falácia de que, ao criar e manter uma equipe profissional competitiva de vôlei, a prefeitura fomenta a prática esportiva popular em Montes Claros. Isso se faz através de uma educação física de qualidade nas escolas, da criação de centros esportivos em bairros até então desamparados, da condição de trabalho a professores da área em questão. Por outro lado, ao passo em que é notável o marketing que circunda o aludido time, seja na traseira de ônibus, em outdoors, em panfletos ou, até mesmo, em chamadas televisivas; nunca me deparo com propagandas quem conclamem nossos jovens a se engajarem no esporte, de fato. Quantos dos jogadores do Montes Claros-Funadem são nossos conterrâneos? Como esse time pode ser interpretado como um estímulo ao esporte popular, tendo em vista que o povão não dispõe de 10 pilas nem mesmo para dar uma entrada em um barco, tendo em vista as recorrentes enchentes que nos assolam em dias de chuva?

Diante desse subterfúgio grotesco adotado pela prefeitura e do consentimento de boa parte ignara da população, só me resta aguardar que, no ano que vem, Tadeu Leite monte times profissionais de paint-ball e de natação a fim de resolver problemas associados à criminalidade e à infra-estrutura, respectivamente.

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