Generosa Souto
Professora de Literaturas de Expressão Portuguesa da Unimontes
12 de outubro, no Brasil, deveríamos comemorar o Dia Nacional da Leitura. E de 12 a 16 - Semana da Leitura e da Literatura. Comemorar lendo, principalmente uma leitura literária. Não comemorar apenas do espaço na escola, mas em casa, nas praças, nos shoppings, nas livrarias, nas ruas, nas esquinas. Canibalizar é a palavra de ordem. Canibalize a leitura literária. E ao digerir, certamente absorverá qualidades, e assim se tornará um leitor melhor, mais forte, um brasileiro que lê. Socialize o que comeu, cada um do seu jeito. A cultura brasileira da leitura nasceu da antropofagia, no dizer de Oswald de Andrade. Comece você também a comer e a comemorar histórias literárias.
Não comemorar no sentido de comer + orar. Comer no sentido antropofágico de degustar "velhasnovas" histórias, aqui, não como uma lista, mas como sugestão. Tente, dê início pelo imaginário de A Odisséia de Homero, e para dar a arrancada triunfal, perpasse pela Divina Comédia de Dante, não se esquecendo de Decameron de Bocaccio, de D.Quixote de Cervantes, de Shakespeare, de Ulysses, de Jaymes Joyce, e modestamente de Balzac, de José de Alencar, de Bernardo Guimarães, de Machado de Assis, de Aluísio de Azevedo, de Monteiro Lobato, de Euclides da Cunha, de Lima Barreto, de Mário de Andrade, de Guimarães Rosa, de Rachel de Queiroz, de Jorge Amado, de Clarice Lispector, e também comemorar as histórias dos contemporâneos Roberto Drumond, Autran Dourado, Murilo Rubião, Rubem Fonseca, Ronaldo Lins, Ignácio de Loyola Brandão, Chico Buarque de Holanda, João Gilberto Noll, Osman Lins, Raduan Nassar, Bernardo Carvalho, José Roberto Torero, Milton Hatoum, Silviano Santiago, Godofredo de Oliveira Neto, Sérgio Sant'Anna, Rubens Figueiredo, Petrônio Braz, Geraldo Ribas, João Naves de Melo, Dário Cotrim, Aroldo Pereira, Rodrigo Guimarães, Osmar Oliva, Domingos Diniz, Saul Martins, José Luiz Rodrigues, Wanderlino Arruda, Waldir de Pinho, Adalgisa Botelho de Mendonça, Glorinha Mameluque, Míriam Carvalho, Nélida Piñon, Lya Luft, Paloma Vidal, Lúcia Leão, Maria Esther Maciel, Patrícia Melo e muitas outras e outros bons, muito bons. São escritores do Medievo à Contemporaneidade, cada um se revela o melhor artesão da palavra, o maior ourives da ficção.
Os escritores acima mencionados contam-nos histórias escritas, através de narradores excepcionais, criados para provocar o leitor a permanecer no texto, porém, a maioria dos leitores entrevistados nunca ouviu falar deles, não souberam falar do que escreveram, e nem sabiam da data alusiva ao incentivo da leitura no Brasil. Disseram-me que os professores de Português e Literatura não pediram nenhum livro de literatura em 2010, com exceção aos exigidos para o PAES, mas que não são estudados; são, apenas, mencionados. É fato que da leitura se esqueceram, e muito mais da data em que se deveriam lembrar da leitura, todavia não se esqueceram de comprar brinquedos, celulares, roupas, sapatos. Mas livros não são lembrados, nunca. Livros não.
Não se lembraram mesmo, nem alunos, nem professores, principalmente nesse dia 12, pois é, também, o Dia das Crianças, e o comércio se aquece com a venda de brinquedos, não de livros.
Ler deve ser todos os dias, é certo. Mas ler é preciso um pouco a cada dia.
Fiquei entristecida, portanto, quando entrevistei alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, de quatro escolas-referência, no dia 1º de outubro, no encerramento do Fórum de Biotemas, ocasião em que promovi o IV Concurso Literário "Nos Entrelaços do Verso". Perguntei aos alunos quantos livros já haviam lido em 2010. E como resposta obtive o silêncio, apenas ele por testemunha. O silêncio me deu a resposta mais triste e preocupante de 2010, acerca do ato de ler.
Como professora e educadora sei que muitos leitores pegam livros emprestados nas Bibliotecas públicas, outros fazem cópias, outros leem um capítulo do livro dos colegas, outros tantos dizem que leem, mas nunca leem. Outros se tornam leitores passivos, recebendo as narrativas através do que os colegas lhes contam. Para outros, ler constitui, ainda, um dever de casa, um trabalho específico, um tema para TCC na faculdade, uma prova no dia 13 de outubro.
O 12 de outubro, por Lei Federal Nº 11.899/09 ficou instituído como Dia Nacional da Leitura e Semana da Literatura, aproveitando, portanto, o Dia das Crianças para estimular o hábito da leitura literária entre crianças e jovens brasileiros. Não sei se funciona. Mas vale a intenção. Provocar é preciso.
Muitos municípios desenvolvem, ao longo do ano, projetos de incentivo à leitura e reforço escolar na disciplina de Língua Portuguesa e Literatura.
Precisamos incentivar a leitura literária. Precisamos formar novos leitores. O leitor é aquele que lê, seja de forma oral ou silenciosa, mas que escuta a sua voz lendo e observa a construção da leitura, as artimanhas do texto, as suas veredas, as suas esquinas, os seus rios, os seus mares, as suas ondinas, os seus botos, os seus vôos, os seus desejos, os seus medos, as suas tensões, os seus sertões, os seus labirintos.
O leitor, por sua vez, tem um compromisso com o texto escrito: ele testemunha a língua, está sujeito às leis da escrita, mas ao mesmo tempo pode deixar sua marca interpretativa com sua voz, fazendo o texto passar por seu corpo e atingir o corpo dos outros, numa espécie de catarse, gostosamente, experimentada.
Nós outros, brasileiros, ainda estamos na escala mundial de poucos leitores. Os indianos, por exemplo, venceram no planeta como os maiores devoradores de livros do mundo, afirma uma pesquisa, que mostra que eles dedicam em média 10,7 horas por semana à leitura, o dobro do tempo gasto pelos americanos. Já o Brasil foi incluído entre as 30 nações estudadas, ficando, apenas, em 27º lugar na lista, com uma média semanal de leitura de 5 horas, o que é considerado horrível para um país que investe dinheiro público em campanhas de leitura, cantinhos de leitura, cinco livros clássicos para os alunos, gratuitamente, e muito mais intervenções.
Sabemos os educadores que ler é um hábito social. Não nascemos leitores; tornamo-nos leitores por convívio e por contato. Do colo dos pais, da voz leitora em nossos lares, do incentivo dos professores para toda a vida. Basta tentar!
Fecho este texto e pergunto: Será se os professores de Língua Portuguesa e Literatura, da Escola Básica, estão lendo leituras literárias? Será se são formadores de novos leitores? Por que se calaram, também, diante do meu questionamento? Será se não são leitores, ainda? "To be, or not to be: that is the question", para rememorar William Shakespeare. Ou se preferir o Oswald, Tupi or not tupi: that is the question.
É minha opinião. Tenho dito.