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Quarta-Feira,25 de Dezembro

Vila Ipiranga ou eu era feliz e não sabia - por Adilson Cardoso

Jornal O Norte
Publicado em 18/09/2007 às 11:11.Atualizado em 15/11/2021 às 08:17.

Adilson Cardoso *


 


O tempo passou tão rápido que as peripécias da adolescência ainda estão pulsando. Não consigo identificar esse sentimento que às vezes me dá segurança para eu seguir com a sensação de ter vivido as etapas essenciais da idade. Outras vezes fico preso em um espaço astral, esperando ainda brincar com a mesma satisfação de outrora, com a irresponsável liberdade de poder.



A Vila Ipiranga faz parte do meu arquivo de memórias, sem as invenções tecnológicas dos ingleses, vocabulário que nos obriga a falar sem sabermos o que estamos dizendo. No meu caso, as palavras são simples e as imagens não chuviscam principalmente quando falo do campo do Beira Linha. Ali éramos os donos da bola. Jogávamos no time de Degilson, nossa equipe já praticava a metonímia sem saber ainda o que era Português, pois Degilson era o dono do time e também jogador.



Bem mais tarde nos conscientizamos que o nome da equipe era União. Metonímias à parte, éramos muito bons, nossos rivais diretos: o time de Gilmar, que passou a se chamar Santos de Valdir Tabinha; o Internacional do Bairro de Lourdes, que antes era  o time de Freu; e o time de Vá Pereba, que não colheu bons frutos, sendo decretada a  falência pouco depois de alguns jogos. Motivo: tomaram tanta goleada nas poucas partidas que disputou que um morador do bairro oriundo chamou Vá em particular e disse:



- Ocê num fala qui essa lebréia é daqui do bairro não, viu? Olha lá!



Assim se encerrou a precoce carreira de Vá Pereba como técnico que acumulava a função de goleiro. Os melhores foram para o nosso time, como Dal e Carlinhos, e até o próprio Vá, que amargou por longos jogos o banco de reservas.



As partidas não levavam muitos torcedores a campo, devido jogarmos até mesmo no meio da semana, já que, quando nos aventurávamos, nos sábados e domingos, tínhamos que jogar em horários que não atrapalhassem os treinos ou os jogos dos times oficiais do bairro, como Ipiranga e Valência.



Nossa escalação era muito diversificada. Degilson às vezes não estava de bom humor e mudava quem vinha jogando. Éramos estes: goleiros: Zé Vicente, Nenga e Vá Pereba, sendo que os dois últimos, dependendo do placar, iam para a linha, pois o primeiro era o titular, apesar de tomar alguns perus. Zagueiros: Guinha, Valmir, Reginaldo Pezão e Valdeir. Laterais: Rubinho e Leo Pichéu. Meio de campo: Degilson, Dubita e Baiano. Atacantes: Nenen, Negodinho e Diraldo.



Além do futebol, também ouvíamos muita música, disputávamos quem sabia mais nomes de cantores, bandas e músicas. Quem ouvisse uma canção internacional e identificasse primeiro no meio da galera era inteirado. Éramos Rubinho, seu irmão Reinaldo, Reginaldo Pezão, eu e um certo Adilson, meu xará, que era mais descolado, fã de Peter Framptom, Witesnake, AC/DC, Iron Maiden e outros. Morava no Centro antes, e chegou com pinta de garanhão. Usava colete por cima das blusas na maioria com estampas de Janis Joplin.



Custou-se a aceitar o cara, já que as meninas que toda noite conversavam  na esquina da Rua M não tinham mais nada a perguntar se não pelo tal do novato. Mas o tempo nos trouxe a verdade sobre a pessoa bacana e amiga que era o xará, que infelizmente ficou pouco tempo por lá e se foi para Buritizeiro.



Batistão, que não faz mais parte deste plano terreno, chegou um dia numa festinha lá na casa de Valter, ao lado da antiga Mafrel Doces do seu Martinho, que também já está lá do outro lado. Chegou já meio alto, com umas duas na cabeça e, quando estava nesse estado, estranhava até seu amigo mais querido.



Entrou no banheiro para esvaziar a bexiga e o desavisado do Zé Toró entrou de uma vez e, sem perceber que tinha alguém, trombou em Batistão, que caiu por cima do vaso e saiu com a calça branca toda molhada e já caçando um pedaço de pau para resolver com o pacífico Zé Toró, que morava lá no Esplanada e vinha em todas as festinhas ali, na esperança de conquistar alguém para livrá-lo da pejorativa alcunha de Donzelão.



Nada bobo, Toró já conhecia a fúria de Batistão, que quando chegou ao portão com uma lasca de tábua, já pedalava sua Olé 70, ofegante lá na subida da Siom. Sempre regada a batidas ou calcinha de nylon, os portões eram abertos, quem passasse na rua e quisesse entrar, ainda tinha direito a tomar umas boas copadas da bebida e comer um pratinho com farofa, arroz e um pastel.



Ainda não existia a violência como hoje. Saíamos para assistir à sessão pornô no cine Fátima, Guinha, Waldo narigão, eu e Edsinho hoje careca. Em altas horas, atravessávamos o Bairro São José voltando para casa, ouvindo as pauleiras do barzinho Young,  um pedaço escuro da Mariflor, até a linha que muitas vezes tinha vagões parados, ficando ainda mais escura. Saltávamos, às vezes ainda escrevíamos alguma coisa nas latarias marronzadas, quando não deixávamos alguns nomes com insinuações pejorativas gravados ali.



Hoje, o Villefort é nome de progresso para o bairro e adjacências, mas sob aquela estrutura dorme o campo do Beira Linha, e o mato onde brincávamos de polícia e ladrão, também a lagoa que se formava às margens do córrego quando chovia muito, e conseqüentemente pegávamos os peixinhos mais coloridos. Tudo isto está vivo dentro da minha saudade...



* Aprendiz de escritor

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