Vicissitudes da morte - por Ricardo Junior

Jornal O Norte
Publicado em 12/06/2008 às 11:55.Atualizado em 15/11/2021 às 07:35.

Ricardo Junior


 


Faz um ano que perdi meu anjo Carlinha, minha sobrinha e afilhada. Vou ser lacônico como considero que é a morte, mas não vou ser lôbrego nem prosaico, portanto não deixe de ler minha opinião. Estou escrevendo para falar de vida e de esperança.



Creio que todos vocês já passaram por isto, já perderam entes queridos inesperadamente. A morte não avisa a hora nem o lugar. Ela simplesmente vem quando menos esperamos. Seria hilário lutarmos contra ela, que nos faz ver a comédia que é a vida.



Anos atrás, quando acaba de chegar de uma das muitas viagens de Belo Horizonte, quando fui entrando em minha casa, avisaram: Tia Ana faleceu.



Que piada é esta? Tia Preta, como todos a chamavam era uma mulher desconcertantemente arrebatadora. Sempre foi minha preferida. Vivida e carismática, teve vários maridos e era dona do mais famoso meretrício de Curvelo. Adotou vários filhos das “moças da pensão”. Me deu muitos primos postiços. Considero que sua missão foi a de criar as muitas crianças rejeitadas pelas mães, que obviamente nem sabiam quem era o pai. Tia Preta submeteu-se a uma cirurgia no Hospital de Curvelo e morreu por um erro médico.Uma intermitência que nos deixou muita dor. Achávamos que nunca mais passaríamos por isto: perder uma pessoa querida de forma tão desconcertante.



Exatamente na atual data, um ano atrás, uma bala certeira ultrapassou o lindo rosto de Carlinha. 16 anos. Todos nós planejávamos seu futuro, pois se formaria no segundo grau no Colégio Tiradentes. Ela tinha 1.80 de altura, gostava de rock e tinha seu violão. Era fera na informática, caseira e companheira. Nunca descobrimos nem queremos saber os “porquês”. Ficou para nosso o Anjo que só nos trouxe alegria e que está sempre conosco em alma e coração.



Para todos os que vão “sem sequer avisar” fica a dor e a perplexidade e nada mais à acrescentar no diálogo. A morte, por se só já é um roteiro pronto. Morrer é ridículo. Você combinou de sair à noite para uma balada, ou namorar, quem sabe apenas marcar um encontro com um amigo em um boteco qualquer. Já tinha até comprado as cervejas e o churrasco para o Domingo. Estava em pleno tratamento dentário, tinha marcado com a dermatologista e queria ir na clínica de estética para rejuvenescer, ir ao salão cortar ou pintar o cabelo. Alguém iria vasculhar o seu lixo e mexer nas gavetas do seu escritório.



E os e-mails que você ainda não abril. Eu tenho mais de 300 em um dos meus endereços (por isto amigos, me mandem apenas os e-mails que realmente vale à pena). Seu computador nem foi desligado, nem pagamos as contas, a calça e e camisa suja ainda ficaram encima da cama, o guarda-roupa ficou cheio de traças e besteiras que agente sempre fala que irá jogar fora ou dar para alguém. É mesmo um exagero morrer. Não tem graça nenhuma.



Morrer é um “delete” infeliz, quando você perde todo o seu texto. Pode estar dentro de um ônibus ou avião e de repente, buuuummm.



Dormimos e não acordamos jamais. Pode estar passando tranquilamente pela rua e repentinamente um marginal qualquer, que nunca viu antes, somente porquê gostou do seu tênis Nike dá um tiro e deixa você lá, deitado no meio da multidão.



A morte é mesmo muito estúpida. Nos obriga a sair no melhor da festa. Deixamos o copo de whisky pela metade, nem temos tempo de estourar o champagne, nem azarar a pessoa com a qual queria passar a noite junto.



Lutamos todos os dias para sobrevivermos, para fazermos do mundo um lugar melhor. Às vezes até nos submetemos à duras regras, somente para que sejamos admirados e aceitos em sociedade. Gastamos muito tempo com bobeiras e desfrutamos pouco da maravilha que é viver.



A famigerada morte nos mostra como nós somos irracionais. São muitos os compromissos e pouco tempo para fazermos o que realmente gostamos; remédios e mais remédios com pouca saúde, mas acho que a cura, primeiro espiritual e depois física, depende primeiramente de nós mesmos.



Não deixe nada para uma ocasião especial, pois cada dia da vida é único. Use sua taça de cristal, suas jóias, sua melhor roupa e seus perfumes. Deixe de protelar. Deixe de ficar guardando dinheiro. Cada dia é único e deve ser vivido intensamente, para que quando a morte vier possamos dizer a ele que fomos a estrela da festa.

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por