Uniarte resgatando a história - por Adilson Cardoso

Jornal O Norte
Publicado em 16/06/2008 às 16:35.Atualizado em 15/11/2021 às 07:35.

Adilson Cardoso



Luiz Antônio continua criando suas pinturas a óleo, em variados temas figurativos que denunciam a sensibilidade e o olhar inquieto sobre Capitão Enéas. Com a ciência de que o artista tem de  ir além daquilo que cria, pesquisar para encontrar os argumentos necessários para consolidar a obra, não descansa. Retrata moradas antigas, o comércio e personagens folclóricos que fizeram a história do lugar.



Entre os pesquisados está seu Nono, caçador de onça, ainda nos primeiros toques da tinta magra. O pintor historiador, que também  faz placas e faixas, conta que seu Nonô era a referência nesse tipo de caça, época em que o animal se encontrava em abundância na região, vitimando as criações dos fazendeiros. Reses e cabritos eram os preferidas.



No momento Luiz está em busca de fotografia de Mané Tostão, este que é parte do universo místico que envolve a terra desbravada por Enéas Mineiro. Mané, depois de passar grande parte da vida amansando burro bravo e foiçando as entranhas das matas em nome do sustento, perdeu sua companheira para a morte, entrando em completo estado de desolação. Depressivo, recuou-se do mundo, indo gemer da dor de amar e saber que jamais voltaria a sentir o calor.



Passava dias e noites sem se alimentar, gritando palavras que para os outros não tinham nexo algum, mas que era seu ritual de súplica à sua crença. Também inicia-se um dos mais incríveis contos verídicos sobre Mané Tostão. Após esses dias de tormento, ele se recuperava e saía no mato caçando cobras. Ao encontrá-las domavam-nas feito bicho de casa, com direito de pendurá-las no pescoço, como se fosse colar.



Seu Tazim, a testemunha viva, que foi cunhado de Mané, acrescenta que certa vez uma coral que ele brincava o picou no rosto. Ficaram todos abismados, pois o veneno não fez efeito nenhum. E Mané Tostão viveu seus dias no mais puro estilo barroco, sendo sagrado e profano, atormentado e também atormentando, segundo dona Geni, que é esposa do seu Tazim. Nas palavras dela, briquitava para ele comer, mas pouco se alimentava. Não teve a festa das barraquinhas no Sapé, o bairro que, como toda Capitão Enéas, está de luto pela morte de José Orisvaldo, caminhoneiro, querido filho do seu Sílvio, ex-vereador da cidade, e dona Santa, uma dor que se amplia na lembrança do outro filho também caminhoneiro que morreu há pouco mais de um ano, em acidente na Serra de Bocaiúva.



Bem acolá, nas margens da estação de Engenheiro Zander, seu Geraldo Murça bate papo com Jacinto, ex-prefeito, e apresenta seu Pedro Ceará, que está sentado no seu bar em frente à farmácia, cheio de histórias de glórias e dificuldades do povo de Capitão Enéas, da chegada dos primeiros profissionais qualificados, do surto de malária e do velho magro de barbicha rala chamado Chico Belém.



Ali naquele lugar não podia deixar de existir Maria Neide, professora da escola estadual Municipal Jacinto Silveira Neto, ex-coordenadora do Centro de recuperação do menor, hoje  na Pastoral familiar, trabalhando com casais recém casados. Neide, como é conhecida, luta diuturnamente para ajudar os menos favorecidos financeiramente e alfabeticamente. E diz que fará de tudo que lhe for possível para que a sementinha que está sendo plantada pela Uniarte continue crescendo após o termino do projeto.



Espera que a secretaria de Cultura possa compactuar das suas intenções e fazer algo para isto. A professora ainda nos levou até   Marlene, outra pedra preciosa da cidade, que desenha e pinta genialmente, com a simplicidade e nobreza de artista. É modesta e diz que precisa aprender muito ainda. Isto é Uniarte apresentando a esse povo ordeiro sua história, que a mídia televisiva insiste em ofuscar, mostrando aos jovens que amar as raízes é cultura, saber quem nos deixou essa rua larga em que passam automóveis em disparada; foi alguém que rasgou o mato no peito, sob risco de toda sorte. Que, antes de chegar a isto, alguém morreu sonhando, se entregando plenamente a algo para que você apenas cuide desse patrimônio e deixe sua contribuição para os que vierem.

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por