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Quinta-Feira,26 de Dezembro

Uma carta patente de capitão: memórias históricas de Montes Claros XVII - por Dário Teixeira Cotrim

Jornal O Norte
Publicado em 14/09/2007 às 10:26.Atualizado em 15/11/2021 às 08:16.

Dário Teixeira Cotrim *



As famílias de Manuel Afonso Gaya e Maria Gonçalves Figueira uniram-se em matrimônio e conceberam filhos, dentre muitos deles o jovem capitão Antônio Gonçalves Figueira, que mais tarde veio para o Norte de Minas com o seu cunhado Mathias Cardoso de Almeida e irmãos e fixaram aqui com várias fazendas de criar o gado vacum. Sabe-se que nunca fora o capitão Figueira um fazendeiro por convicção e nem tão pouco sabia ele manejar as rédeas de amansar um animal bravio. Nunca havia ordenhado e pouco lhe preocupava ferrar os animais de sua propriedade. De pouca religiosidade, era um homem severo e trabalhador. Na verdade era um excelente preador de índios, isso em virtude de sua formação militar de moço combatente na provincial paulistana.



O ex-fazendeiro Figueira abandonou as suas propriedades retirando-se para a província de São Paulo, onde passou a se destacar com honraria militar como um perfeito soldado de guerra, pois era possuidor de uma carta patente de capitão datada de maio de 1729. O historiador Pedro Taques escreveu que o moço Figueira “era, o dito capitão das principais famílias da capitania de S. Paulo e havia servido a sua majestade em praça de soldado e alferes de infantaria do terço que se formou em S. Paulo em 1659, do qual fora mestre de campo Mathias Cardoso de Almeida, e que por ordem real passara para o sertão e campanha do Rio Grande do distrito de Pernambuco a castigar o bárbaro gentio pelas mortes e insultos que executavam contra os moradores daquele vasto sertão, levando doze arcabuzeiros, dos mais destros no manejo das armas de fogo, seus escravos; e com eles acudiu em pessoa em todas as ocasiões que se ofereceram com grande valor e igual obediência.



Que passando com o seu terço para o Rio Jaguaribe, tendo o mestre de campo notícia de que o gentio era muito numeroso, de sorte que bastava a multidão para se perder vitória pela total desigualdade do campo inimigo, estendeu-se até a capitania do Ceará, que assaz gemia oprimida dos mesmos bárbaros, querendo a um tempo acudir com limitadas forças onde era mais evidente o perigo, e se viu precisado a dividir-se; foi bastante essa necessidade para o gentio inimigo dar um assalto formidável contra o nosso campo, em que, vitorioso, matou soldados e escravos; porém, com a valorosa resistência do alferes Antonio Gonçalves Figueira, que naquela ocasião fez vezes do mais destro e destemido cabo, recebera o mesmo gentio um grande estrago. Fora mandado de socorro à ordem do governador João Amaro Maciel Parente ao Ceará, onde assistiu até retirar-se por ordem de seu mestre de campo Mathias Cardoso de Almeida; e fazendo uma entrada ao gentio bravo da campanha do rio em 12 de novembro de 1693, o obrigara a recolher-se depois com grande utilidade daquelas povoações; e em toda esta campanha desde o ano de 1689 até 1694, em que se retirou o dito mestre de campo Almeida, se portou nela Antonio Gonçalves Figueira sempre com honra, satisfação e valor.



Ele foi o primeiro que levantou engenho no rio de S. Francisco do sertão da Bahia(1)no sítio chamado Brejo Grande. Foi de ânimo tão forte que só com nove pessoas conquistou duas nações de bárbaros índios no sertão do Rio Pardo, suprindo as poucas forças com astúcias e estratagemas, filhas da sua disciplina, em que foi soldado de fama, e tão vigilante que, no decurso de cinco anos de campanha, sempre dormiu calçado para ser o primeiro que se achasse pronto na hora de qualquer rebate.



Descobriu, à sua custa, os dois sertões e ribeiras do Rio Verde e Rio Pardo, este no distrito das minas novas do Fanado, e aquele no serro do Frio, que estão povoados com mais de cem fazendas de gado vacuns, bestas cavalares e alguns engenhos. Na Ribeira do Rio Verde foi senhor da fazenda da Jahiba, Olho d’Água e Montes Claros. Abriu caminho do rio de. S. Francisco para a Ribeira, afim da que este sertão ficasse povoado com fazendas de gados, em distância de mais de sessenta léguas, tudo à sua custa. Descobertas as Minas Gerais fez trânsito de mais de 40 léguas de sertão da Ribeira para as ditas minas do Rio das Velhas, e com este beneficio ficou estabelecida a comunicação e comércio com grandes utilidades dos reais direitos na capitania das Gerais. Foi dotado das maiores virtudes, como as da honra, verdade, fidelidade e limpeza de mãos; e nesta foi tão exato que já em avançada idade costumava afirmar que se não acordava de dever restituir a alguém nem ainda um só real”.



Nota (1) - No texto de Pedro Taques, quando diz ele que Antônio Gonçalves Figueira “foi o primeiro que levantou engenho no rio de S. Francisco do sertão da Bahia” era porque nesta época a região do Rio São Francisco - até a Barra do Guaicuí - e o alto Rio Pardo eram territórios pertencentes à província da Bahia. Na verdade, segundo Simeão Ribeiro Pires, a fazenda Brejo Grande ficava na região de Vacaria, às margens do rio Peixe Bravo, no distrito de Grão Mogol. Também confirma isso o historiador Miguel Costa Filho na sua influente obra “A Cana-de-açúcar em Minas Gerais”.



* Escritor, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da AML

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