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Quinta-Feira,26 de Dezembro

Um tempo que passou - Manoel Hygino

Jornal O Norte
Publicado em 10/09/2007 às 16:17.Atualizado em 15/11/2021 às 08:16.

Manoel Hygino



Agosto não é apenas o oitavo mês do ano, o malsinado por acontecimentos tristes, trágicos, na vida brasileira. Em agosto, Jânio simplesmente deixou a presidência da República, e deu no pé, largando atrás de si o possível risco de um cataclisma político, que deu no que deu, e gentes deste país ainda sabem. Ainda.



Veio Jango, depois chegou o último dia de março de 1964, anúncio do adeus do presidente gaúcho à chefia da Nação. E houve o suicídio de Vargas, 10 anos antes da queda de Goulart, e a morte de Juscelino, sobre a qual suspeitas de atentado se levantaram.



Mas, agosto não é só prenúncio de tempestades, mau agoiro, o fogo nas serras e encostas, extensas áreas calcinadas depois das longas estiagens. Nas cidades sem calçamento, a poeira se levanta e o vento a espalha, erguem- se redemoinhos, que espantam as crianças a suas casas.



Há as festas de agosto, que entram no coração e na lembrança de quantos a elas assistiram, ou delas participaram. Estão inscritas entre as manifestações artísticas, tradicionais religiosas, culturais condenadas ao esquecimento. Grupos de catopês, marujos e caboclinhos, de que sequer mais quedam vestígios nas grandes cidades, fazem suas demonstrações, marcam o ritmo nas ruas e junto a praças dos templos, evocando costume centenário.



Em minha terra natal, 160 dessas comemorações já se realizaram, representados em fotografias, pinturas, filmes e no relato de livros de autores que não queriam que tudo isso o fosse atirado a resíduos do passado, como algo dispensável.



Em texto inspirado, o jornalista Paulo Narciso comentou mais um agosto transferido ao pretérito. Os catopês, seu batido ancestral, constituem um firme liame da gente da terra, fazendo o rebroto de sentimentos tidos como esquecidos, mas ainda muito fortes, porque têm raízes na alma.



Não se trata de bairrismo, de saudosismo, mas algo resiste no íntimo das pessoas. Há tempo, há muito tempo, Geraldo Ataíde já temia o funeral desse velho costume, quando se referia ao coro entoado de uma cantiga, quebrando o silêncio na hora final, meia-noite, no último dia de festa.



Recordava o ruflar das caixas, com algo de místico e bárbaro, o tilintar dos pandeiros, o coro lamentoso das violas, rabecas, gaitinhas de bambus, um som profundo sem forma, uníssono, soturno, expressando a alma simples do homem semi-civilizado do sertão.



Os cidadãos evoluídos, pra frente, se rebelavam contra dançantes, o que depunha contra os foros de cidade grande. Entanto, eles são gerações transportadas, ex corde, para os dias de hoje, carregando consigo o que herdaram, trazendo de recônditas épocas a rude e o belo da natureza na região em que nasceram e viveram, como nasceram e viveram pais e avós.



A Festa de Agosto tem elevado papel social e humano. É demonstração de solidariedade, de aproximação entre os homens, prova de cortesia, de arte e de educação. A cidade se revela, nestes parcos dias, ser mais do que um entreposto de compra e venda de produtos e mercadorias.



Em 1839, Marcelino Alves pediu licença para tirar esmolas para as festas, sem dizer exatamente quais eram. Para comemorar a coroação de Pedro II, foram permitidos alguns desses divertimentos, com os grupos preponderantemente de pretos dóceis e alegres. Depois, os mestiços, os brancos, se foram acercando. Virou confraternização.



O poeta da região, o mais vigoroso barco sertanejo, Cândido Canela, não está entre nós. Nasceu em 22 de agosto de 1910, comemoraria seu centenário com as festas deste período do ano.



Eu me recordo com Paulinho Narciso: Quando os tambores estrondam, há os que choram, quando o mestre, no meio do cerimonial, ordena que se ajoelhem. Todos o fazem, cabeça baixa, repetindo: Deus te salve Casa Santa, onde Deus fez a morada, onde mora o Cálice Bento e a Hóstia Consagrada.

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