Bruno Albernaz (*)
Foi com regozijo que acompanhei a manifestação de vontade do meu jovem primo. Seu semblante varonil contava o desejo de produzir uma epopéia decassílaba. A tessitura das idéias e o proceder daquele jovem rapaz me deixaram absorto na medida em que ele descrevia a ideia da obra.
- E o que te impede de já começar?
- Talvez autocrítica, ou medo de não ser bem aceito.
Aquela resposta me tirou do mais profundo deleite, onde saboreava em píncaro prazer palavras simetricamente organizadas. Privou-me da mais bela canção que a mente pode recrear-se e conduziu-me direto para as portas do tártaro, onde Cérbero acenava com fortes presas que se chamavam Modernismo. Quem pode, de agora avante, restaurar o garbo do verdadeiro construtor de palavras e mundos? Vista aquela situação, era meu dever então aguçar a vontade a fim de tirar daquele jovem poeta o mais clamante dulçor dos seus lábios para o papel. Como convencê-lo a não desanimar?
A primeira reação era a de criticar o Modernismo e sua capacidade de quebrar a dulcidão poética dos priscos tempos, mas isso seria mais um desabafo, e meu querido primo precisava de mais que uma manifestação colérica. Ele merecia, no mínimo, conhecer a jovem rainha Cristina da Suécia. Então lhe contei a história da jovem dama que a um trono renunciou em prol da literatura. Tentei passar-lhe como aquela ex-rainha havia se mudado para a Itália para se aproximar da arte. Sua intenção era exata: romper com a precariedade que nos meandros poéticos havia se instaurado. Ali, no berço do setecentismo, nascia a escola árcade.
À medida que eu contava a história, me surgia a ideia de que os grilhões seriam rompidos e novamente Penélope aguardaria Ulisses, Adamastor cantaria à Inês de Castro, Enéas caminharia para Roma, Dirceu novamente amaria. Quem, senão a juventude para derrubar modernas esculturas indestrutíveis?
No nobre proceder daquele jovem primo eu já podia imaginar o poço que mergulharia o modernismo, pairando adusto nas profundezas de onde nunca deveria ter emergido. Gosto de citar sempre a ideia do maior intelectual brasileiro ainda vivo, o professor Antônio Cândido. Para ele os modernistas eram cobertos de individualismo mesquinho e abstencionismo vergonhoso, sem qualquer espécie de dor que pudesse transmitir um sentimento mais real de vida. É como se aquele desejo histriônico dos anos heróicos os houvesse guiado apenas no rumo da destruição das velhas estruturas –
que levaram a cabo com galhardia –, mas que, por outro lado, impediram-lhes de legar para a posteridade qualquer intuito construtivo.
O reflexo hoje desse esse brusco rompimento é indelével. Nenhuma escola jamais havia rompido com as demais a ponto de causar tantos danos à estética que por séculos foi construída. Nem mesmo o Romantismo, que se sobrepôs ao classicismo, exorbitou de maneira tão ultrajante a maravilha do deleite poético.
Por que hoje não contemplamos mais as epopéias, as líricas expressões, as odes, os sonetos? Acreditem, mas o homem foi desprovido de uma capacidade que levou séculos para aperfeiçoar. As liras que soavam para acompanhar as palavras sensivelmente calculadas hoje já não mais emitem uma só acorde. A falta de simetria ganhou os padrões poéticos. É Merencório assistir a jovens traçando palavras e poetas rimando em mais pura maleficência. Qual tempo será digno de vir, senão o de mais pura rusticidade comportamental gerado pela insensível frieza de formosura estética.
Proponho, portanto, um epitáfio ao modernismo. Não ao estilo José Paulo Paes, que já é um subproduto do grande mal. Ao contrário, proponho um epitáfio beneplasto, com a reconstrução e ascendência da beleza estética.
Ah! Meu querido primo, confesso não ser capaz de exprimir toda a sanha que tenho pelo modernismo. Apenas desejo que você reponha à humanidade a candura perdida. Não deixe que o modernismo se faça como uma pedra no meio do seu caminho.
(*) Jornalista – brunoalbernazsoares@yahoo.com.br