Tudo acaba em pizza

Jornal O Norte
29/06/2009 às 10:02.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:02

Márcio Adriano Moraes


Professor de Literatura e Português


marcioadrianomoraes@yahoo.com.br


 


Os sonoros solos de violino reverberam, vozes veladas veludosas souzianas encantam os pracistas. A música e toda a sua inteligência concretizada nos sons. O violão estala e ensaia um prelúdio. E entre os ouvintes amadores, profissionais, pupilos e mestres, debutantes e deputados. Pós show, tudo acaba em pizza.


O senhor ruralista, ao ouvir canções de seu tempo jovial, solta a língua em história, após regramento de chopes. E piadas e anedotas são contadas pelo ruralista e pelo empresário. Todos os ouvidos centrados, coca-cola sobre a mesa à espera da massa dita italiana que em breve chegaria suculenta.

No tempo da televisão do vizinho, todos saíam de suas casas e concentravam-se na porta, na janela para ver os movimentos na tela ainda cinzenta. A alegria de todos, o deslumbre mágico da tecnologia. Dizem que, na primeira mostra cinematográfica, o público deixa as poltronas assustado pensando que o trem sairia da tela e invadiria o recinto. Novidades sempre chamam a atenção. O silêncio e as legendas, depois vieram as vozes, em seguida a aquarela. A novata raridade torna-se um instrumento banal, normal e o encanto é perdido, melhor voltar aos livros.

Qual será o gosto do primeiro picolé? Sem dúvida, um gelinho na língua. Mas o garoto roceiro que mal conhecia a significação das palavras que ouvia, hoje senhor ruralista, lembra-se da ingenuidade pueril. Quando foi levar o leite para a venda, todo empolgado ajudando o pai em seus afazeres, recebe com surpresa a fala do senhor da venda: “e aí, moleque, quer alguma coisa”. De tanto ouvir falar que havia um tal de picolé tão gostoso, não pensou duas vezes: “quero um picolé”. “De que sabor?”. “Sabor?”. O pobre não conseguiu associar “sabor” ao picolé, ele dizia apenas que queria o picolé, sabor já era outra coisa. Maldoso senhor da venda: “Ah, então, tá, vou te dar um picolé, mas você tem que esperar ele gelar, pois está quente”. E fica sentadinho com as mãos entre as pernas quase uma tarde inteira o garoto esperando o picolé esfriar...

Cresce o menino, agora já sabendo que picolé quente é um pouco difícil de encontrar, e se torna um grande atleta. Professor de Educação Física em um bom colégio encontra-se com um professor novato. “E então, é professor de quê?” “De Física”. Uma palavrinha causa discórdia. Imediatamente o senhor ruralista, na época professor, chega à supervisão. “Mas que história é essa de outro professor de Física? Por acaso ele vai tomar o meu lugar?”. Enquanto isso, o novato professor já explanava o movimento retilíneo uniforme, a inércia dos corpos, as órbitas... tornaram-se amigos.

E depois de muitas outras histórias, chegam a pizza e os talheres, mas falta o azeite. Enquanto o azeite não vier, intocável seja a pizza. Se for verdade que os italianos criaram tal massa recheada, viva os azeites portugueses! Mas o complicado foi comer, pois o empresário estranhamente atrapalhado com a tecnologia dos talhares lançava pizza sobre o paletó de veludo importado; a doutora não conseguia equilibrar o garfo na mão, e lá vai o garçom, “pode deixar no chão, eu pego outro”.

Bom é saber que mesmo entre grandes ruralistas, empresários, doutores, um singelo professor pode como eles mastigar uma pizza com as mãos e ouvir música. Não há nada de extraordinário na etiqueta. Tudo muito simples, sem caviar, sem sauvignon, com direito a piadas sem graças, garfos no chão e comida no colo. Ouvindo as histórias de uma juventude, lembro-me da minha, com as tartarugas ninjas... e onde tudo acaba em pizza...

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por