Délio Pinheiro *
Os temas desta crônica, cujos caminhos tortos versarão sobre a ignorância dos egressos do BBB, passarão por palíndromos e desaguarão na seara tranqüila da obra do Suassuna, e que põe fim a mais um hiato de produções do blog, veio a propósito do surgimento na mídia de mais uma leva de ex-Big Brothers. Porque se tem algo pior do que um BBB, é um ex-BBB. E depois de mais um retumbante sucesso do reality show da Globo, mais de uma dezena deles tomou de assalto as programações de todas as emissoras abertas do país. Parece praga.
A final do programa, que elegeu o tal Alemão, um candidato que sequer havia mandado uma fita para a Globo, teve um momento impagável. Foi quando a produção do “Grande Irmão” colheu as pérolas ditas pelos participantes nos meses de confinamento. Desde uma impagável “Pomba Gíria” citada por um brother, até verdadeiros apagões cerebrais como o de certa deejay que, incitada por Pedro Bial a citar os sete pecados capitais, começou a listar atrações como o Grand Canyon, a Torre Eiffel e outras maravilhas do mundo.
Mas a definitiva constatação da ignorância de gente que se prepara para o Big Brother como um projeto de vida recai sobre uma das mais simpáticas participantes do programa, a mineira Íris. A preparação da moça para fazer parte da atração incluiu dietas severas, pequenos retoques estéticos aqui e acolá e muita disposição para mandar fitas a cada recrutamento do Big Brother.
Se antes uma moça ambiciosa podia vencer na vida tentando entrar numa faculdade, hoje ela também pode sonhar com uma vaguinha no BBB, com os cachês polpudos para aparecer nua nas revistas masculinas depois do confinamento e os cachês para participar de eventos que, misteriosamente, vão diminuindo à medida que o anonimato de novo se apodera daquela estrela fugaz. Salvo, evidentemente, se você for ungida pelos deuses e se chamar Grazi Massafera. Aí as coisas ganham novos contornos. E é sonhando em ser uma nova Grazi que milhares dessas moças se inscrevem no programa. Entre elas a Íris.
Dizem que quando ela era criança, seus coleguinhas brincavam de descobrir significados ocultos escrevendo os próprios nomes de trás para frente, e foi aí que surgiu a Siri. A mocinha achou engraçado e o apelido passou a acompanhá-la. Nada mais apropriado, já que o cérebro do pequeno crustáceo é tão diminuto como o da ex-big sister. A moça é incapaz de fazer uma sentença simples de nossa língua, com seu sotaque carregadíssimo, sem demonstrar uma constrangedora dificuldade em associar duas ou mais idéias em seu cérebro de crustáceo.
E ainda a enviaram para a Argentina, onde a bela loira só não trocou alhos por bugalhos, porque, afinal de contas, ela nem desconfia do que seja um bugalho. O resultado foi cômico, claro. O Faustão produziu uma ótima frase sobre o fato. Segundo o apresentador se a Siri ficasse mais um tempo no reality show de nossos hermanos ela não aprenderia o espanhol e esqueceria o português. “Ficaria muda”, em suma.
Mas eu ainda tenho alguma esperança de que a moça, agora alçada ao estrelato, mesmo o fugaz estrelato dos ex-BBBs, possa se emendar e adquirir alguma cultura daqui pra frente. Quem sabe a leitura de alguns livros, uns bons papos-cabeças e mais uns nove anos na escola não resolvam o problema. Tenho fé.
Se por um lado alguns maltratam nossa língua, por outro temos aqueles que brincam com ela. E a molda com seu talento na forma de palíndromos, que são aquelas frases que lidas de trás para frente tem o mesmo significado, como as ótimas “Seco de raiva, coloco no colo caviar e doces” ou “A base do teto desaba”. Ou ainda “A Rita, sobre vovô, verbos atira” e talvez o mais famoso de todos o “Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos”.
Os grandes artesãos dessa arte subestimada no Brasil são Pedro Nava, Malba Tahan e, quem diria, Millôr Fernandes, a quem é atribuído o “A mala nada na lama”. O cartunista Laerte também se aventura neste terreno pantanoso. Em uma se duas impagáveis tirinhas, uma família de cavalos está jantando e o potrinho, todo desafiador, diz: “Rir, o breve verbo rir”. E o seu pai retruca com virulência: “Eu já te disse para não dizer palíndromos à mesa!”. Um achado. Mas não tente contar essa piada para um ex-BBB, pois o silêncio desconfortável que se seguirá será de algumas intermináveis horas.
“Lá vou eu em meu eu oval”, você poderia dizer, citando a palindromista Marina Wisnik, filha do cantor José Miguel, enquanto sairia de fininho deixando para trás um BBB imerso em pensamentos, tentando decifrar essa charada da esfinge com medo de ser devorado pela ignorância.
Basta lembrar que os participantes do programa têm dificuldades para captar os ótimos trechos de poesia pinçados pelo Bial nas horas das eliminações e outras frases um pouco mais elaboradas do competente apresentador da atração, e que algum dia foi um excelente jornalista.
O que a Íris encontrou, no entanto, lendo seu nome de trás para frente, se chama parapalíndromos, palavras que lidas da direita para a esquerda, formam vocábulos diversos como “amor” (Roma), “assim” (missa), e o antagônico e surpreendente “servil” (livres).
Ainda bem que a mesma Globo, que nos traz o insidioso Big Brother, é capaz de produzir obras de rara beleza como a série nacional “Hoje é dia de Maria”. E é nessas bases que será feita a mais nova adaptação da obra do Ariano Suassuna, “A pedra do reino”, que está prestes a grassar na telinha Global. Seria uma espécie de compensação artística? Talvez seja, mas ainda bem que nem tudo está perdido no reino da Vênus Platinada.
Agora que chegamos no parágrafo final, fico feliz em perceber que consegui abordar os assuntos propostos lá no início, e só me resta despedir-me de meus seis leitores habituais com mais um palíndromo que, aliás, não faz nenhuma referência explícita ao apresentador do Big Brother: “O Pedro morde pó”.
* Jornalista
Podcast: www.novoslabirintos.podomatic.com