Há formas diferentes de tomar conta de si, dos outros e do que é dos outros. Há o sentir-se dono, bem como o saber assumir uma incumbência ou missão e o cuidado na convivência em comum ou em sociedade. Até a religião pode viver tais enfoques, no assumir o senhorio ou o serviço por mandato recebido.
O próprio Criador, senhor absoluto de tudo, não usa do senhorio para impor ou assumir postura de comando. Ao criar o ser humano deu-lhe a missão do cuidado da terra, da convivência no amor e no respeito ao outro. Exercer qualquer encargo por eleição ou mandato, a pessoa humana só o faz bem quando respeita o ser do outro e de toda a comunidade. Quem, por exemplo, é eleito para um cargo político, só exerce bem sua tarefa se servir a seu patrão, que é o povo. Ele não é dono do povo nem das coisas do povo. Um administrador de empresa, eleito para o cargo, só realiza bem o mandato quando usa sua função para promover o bem da empresa e de todos os envolvidos na mesma. Ele não é dono. Mesmo se o fosse, só faria o bem para si mesmo quando promovesse o bem de todos os funcionários. Assim sendo, eles trabalhariam com mais condição de fazer o bem e dar mais lucro à própria empresa.
O profeta Ezequiel lembra a postura de Deus que se coloca como o verdadeiro pastor das ovelhas. Cuida, orienta, ama e conduz o povo para um caminho de vida segura e realizada: “Eu mesmo vou apascentar as minhas ovelhas e fazê-las repousar... Vou procurar a ovelha perdida” (Ezequiel 34, 15.16). Se Deus tem essa postura, imaginemos a nossa diante da missão que Ele nos dá em relação à caminhada terrestre! Nossa responsabilidade só será bem exercida se formos humildes e inteligentes, a ponto de tudo executarmos para o bem comum, em obediência aos ditames do Senhor, que nos ensina a viver no amor a ele e ao semelhante.
Tomar conta de si é saber que a vida é um dom de Deus e deve ser cuidada como quem administra o que recebeu para desenvolver e mostrar o resultado a quem no-la deu. A relação puramente vertical com Deus, numa religiosidade alienante, não nos torna capazes de mostrar o reinado de Deus com seu amor em nós.
Houve época na história em que se acentuou muito o teocentrismo, ou seja, a consideração de que Deus é o centro de tudo e o ser humano o cultua sem muito olhar nem cuidar do que está a seu redor. Por outro lado, há o antropocentrismo, em que se centraliza o valor máximo da pessoa a partir da consideração de que o humano é o centro de tudo. Estamos numa fase semelhante a esta, em que a subjetividade leva a pessoa a ser a dona absoluta de si, nem sempre considerando a verdade ou os valores objetivos, que não dependem da vontade ou do desejo pessoal. Porém, a visão do reinado de Deus focaliza e sintoniza acuradamente o divino no humano, a ponto de o humano ser considerado na sua dignidade de templo de Deus. Ele vai ser cuidado e amado porque Deus habita nele. Então, a centralidade de nossa atenção vai ser no humano esvaziado de seu endeusamento, para ser preenchido da riqueza de Deus presente em cada um. Daí se configura a nova mentalidade, em que o reinado de Deus vai acontecer. Nossas atitudes vão ser de humilde serviço ao Senhor, que nos move a darmos vida e a respeitarmos em tudo e em todos.
* Arcebispo metropolitano de Montes Claros. É presidente do Regional Leste II da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para o quadriênio 2011-2015.
