Ter filho

Jornal O Norte
Publicado em 12/08/2009 às 11:44.Atualizado em 15/11/2021 às 07:07.

Ronaldo Duran


Romancista


ronaldo@ronaldoduran.com



Ele, trinta anos. Há seis anos vivendo uma relação estável. Casamento de verdade, exceto pela ausência de aliança, do juramento diante da autoridade eclesiástica e do papel assinado sob as barbas da autoridade judicial. Pequenos detalhes, que para alguns são enormes. Para coroar a relação faltava um fruto, uma criança.



Chegaria neste ano, mais pela persistência da mãe. Ele, ainda que sonhasse ser pai, queria situação melhor, emprego melhor, salário melhor... Na era do relacionamento descartável, natural um cônjuge exibir medo de trazer uma criança ao mundo. Forma de evitar fazer sofrer o pequeno ser com uma possível separação.



A criança veio para brindar a ligação do casal, apesar das adversidades, das reticências, dos conselhos levianos ou de boa-fé de familiares ou amigos da mãe. Por que não viria? São os pais adultos formados e empregados.



A criança faz um reboliço na vida. O rapaz é sacudido por uma alegria, uma satisfação que o faz rever-se. Nessa análise de si mesmo procura deixar o Eu um pouco de lado, e iniciar a terrível e dura atitude de pensar o Nós, atitude tanto mais sofrível quanto maior for o grau de egoísmo incrustado na alma.



Na maternidade, chora quando vê a criança recém-nascida, miúda, indefesa, embalada nos braços maternos. Aquela mulher pálida, fraca, mãe, tão diferente da mulher que por vezes ele brigava, se irritava. Uma heroína. Trazer um filho ao mundo por causa dele. Teria ele o mesmo desprendimento? Talvez não. Por isso vê-se invadido por uma lufada de remorso e cumplicidade. Cumplicidade que ia faltando há um bom tempo. Bem, não saberia dizer se realmente existira em algum outro momento.



É pai. Logo que soube da existência da filha, se inquietou. Uma alegria superior ao pentacampeonato da Seleção Brasileira lhe toma. Telefona para todos os parentes, amigos. Anunciava o nascimento de sua querida. Os mais próximos receberiam abraços apertados desse homem ébrio de satisfação.



Os meses passam. Cada dia mais querendo ser pai. Nanar a filha. Trocar as fraldas. Tomar conta. Dar a mamadeira. Ninar. Tocar no rostinho, brincar com os dedinhos. Sofrer quando a menina sofre com as cólicas dos três primeiros meses. Incentivar que engatinhe. Chorar no hospital quando a mãozinha puxou o pote de feijão quentíssimo e sofreu ela queimadura aos dois anos ou da vez que ela levou ponto no queixinho por causa de uma queda. Ele teve que sair da sala do médico, por achar que o doutor provocava o choro sofrido da menina.



Adora ser pai, que belo antídoto para irritação com os planos malogrados, entediado pelo baixo salário. Basta ver a criatura querendo brincar, balbuciando as primeiras palavras para que ele se recompusesse e desse valor a sua vida.

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