Nelson Mendes Pereira
Cidadão Brasilminense
e sócio da ACLECIA
O frio e madrugadeiro vento assobiando por entre as copas dos buritizeiros, o farfalhar das folhas de sapé da rústica, porém bucólica vivenda, o nervoso pulular dos sabiás à cata de migalhas no quintal da casa, o cantar triste dos inhambus e o monótono coaxar dos sapos no brejo próximo, aliados ao murmúrio da água a correr na bica da fonte preguiçosa, o estriduloso cantar dos galos madrugadores, o mugir febril da vaquinha ‘Margarida’ à espera do aliviante ordenhar, tudo, tudo isso, me traz profunda e cortante saudade dos meus tempos de criança, quando, feliz, passava alguma temporada na pequena propriedade de meu pai, lá pelas bandas do Borá, zona rural da minha querida Brasilinha.
Abundante naquela região, o buritizeiro, dentre outras propriedades, tem a de proporcionar um gostoso vinho adocicado e tinto, de ótima qualidade; além da fruta que se presta ao fabrico de um dos melhores doces que já provei.
Certa feita o meu tio Vicente, que também é meu padrinho e na época era o administrador do lugar, ante veemente e sofrido, mas inútil protesto meu, derrubou uma daquelas palmeiras, abriu-lhe profundo sulco e retirou-lhe do seu nectáreo grande quantidade da vermelha e borbulhante bebida, que me ofereceu, só, então, acalmando-me.
Tinha eu sete anos quando meu velho pai, por motivos com os quais nunca concordei e que nunca entendi, se viu obrigado a vender aquele sítio, para mim de imensurável beleza e inesquecível recordação.
Eu adoraria encontrar, num desses botecos da minha vida, talvez no Kentura, um copo da singular bebida, de inquestionável e inebriante sabor; porém, melhor que isso, seria voltar a conviver com o buritizal fantástico e o chilreante passaredo que, teimosa e incessante, povoam e hão de povoar, indelével e para sempre, os meus sonhos.