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Quarta-Feira,14 de Maio

Tatuada

Jornal O Norte
Publicado em 03/08/2009 às 10:16.Atualizado em 15/11/2021 às 07:06.

Ronaldo Duran


Romancista


 


Não, eu não tô reclamando”, disse a jovem de longos cabelos, morena, e de sobrenome italiano. Ao lado dela, outra jovem ouvia e rebateu: “Então o quê?”. “É que fico de saco cheio de ter que seguir a rotina. De obedecer ao esquema, à etiqueta”. Quem as ouve prosear muito provável pense que pelo menos uma está seguindo a inquietante agitação do ser jovem, querendo quebrar regras postas e, se não conseguindo, ao menos protestando com veemência face à ordem estabelecida. Uma inquietação, sim. Contudo, um pouco às avessas. A jovem reclama da obrigação de usar blusa que exiba a tatuagem impressa nas costas, altura da cintura.



A menina de olhos negros-ameixas, pele de pêssego e humor de limão sem açúcar, traz à tona um antigo desabafo que ela zombava quando saía da boca da querida avó: se arrependimento matasse. Há um ano, quis fazer bonito no verão. Uma tatuagem, tudo a ver com o biquíni que ganhara. Não só com o biquíni. Tinha o shortinho, a calça de cós baixo, tudo combinando com blusas cavadas ou ajustadas tal que pudesse estar sempre visível a famigerada tatuagem.



A tatuagem seria uma linda borboleta. Discreta, sem muito apelo, mas que daria água na boca dos machos e inveja nas fêmeas. Inveja saudável, no máximo, repetir seu estilo, que por sua vez ela catou de uma garota no calçadão em Búzios.



A tatuada aproveitou o verão. Ficou com dois carinhas por prazer e com um terceiro, meio a contragosto, somente aliviado o asco pela vodca gelada.



Estava de férias. Começaria a trabalhar na ONG em fins de janeiro. Terapeuta ocupacional, já havia trabalhado, mas nunca com carteira assinada.  Agora era diferente, estava acima dos 25 anos. Queria ser respeitada. Como nada tinha de vulgar, começou a ter saudades do tempo que não usava tatuagem. De não ter a obrigação de colocar compulsoriamente blusinha cavada.



O impasse havia sido instalado. Ora, tirar uma tatuagem está muito longe do rejeitar uma calça. Além de agressivo, o laser limpador é caro. Mais caro do que pôr a dita tatuagem no lombo. Teria que agüentar por mais um tempo. Por que a obrigação de vestir-se de modo a exibir a tatuagem? Temia parecer cafona ao manter uma tatuagem escondida.



O inverno veio em hora oportuna. Como seria aberração, num frio, exibir a barrida de fora, a jovem aproveita para vestir-se no seu estilo: sóbrio, nada de espalhafatoso. Sim, no verão gosta de ser desejada, cobiçada pelos olhares caçadores quando passeia no calçadão, quando vai para balada. Daí a se torturar, não. “O mundo nos aceita como somos. O que importa é nós nos aceitarmos primeiro”, em frente ao espelho do quarto, disse para si, quando vestia o agasalho.

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