Tarde de outono - por Antônio Augusto Souto

Jornal O Norte
Publicado em 02/10/2007 às 16:23.Atualizado em 15/11/2021 às 08:18.

Antônio Augusto Souto



Dia desses, em tarde de fim de outono, parei um pouco, na varanda, para olhar as árvores do quintal.



Tempo árido e nublado me lembrou qualquer coisa como dispnéia e prisão de alma. Ventinho quase irrespirável derrubava folhas secas e as fazia voltear pelo chão, como se executassem, mãos dadas com poeira fininha, estranho bailado de despedida, na cadência de acordes longínquos de Villa Lobos. Sabiá tresvariado ensaiava seu canto de nostalgia, talvez buscando lugar onde construir ninho, no outro lado da rua, em quintal vizinho.



O flagrante, leitora, estava mais para elegia ou réquiem do que para hino, ode ou balada.



Com pés de pluma, ela se aproximou e olhou para o que eu olhava. Encarou-me e, como se exercitasse especialíssimo dom de decodificar mensagens subliminares e decifrar meandros, pôs-se a tecer comentários, voz doce de veludo, com a clara intenção de resgatar-me.



Outono sempre é triste, seja como estação do ano, seja como metáfora sugestiva de fase da vida. É certo que, logo depois da estação outono, vêm a primavera, que é recomeço. A natureza rebrota, exuberante; vem a florada, na forma de explosão de cheiros e cores. E surgem os frutos, as sementes e a chuva. É a oportunidade do verão.



À fase outonal da vida, não se segue primavera nenhuma. Nem mesmo verão. Seria querer perpetuidade impossível e indesejada  né?  No entanto, o que vem após o nosso outono pode ser transformado em início de qualquer coisa boa, alegre e saudável. Depende do nosso firme e decidido querer, do arbítrio pessoal de que ainda somos senhores.



A propósito da circunstância, que tal recordar aquele Fernando Pessoa de quem você tanto fala?  Pois modifique o verso dele! Assim, por exemplo: viver sempre vale a pena, se a alma não é pequena.



Venha aqui, firmemos, nesta encruzilhada aparentemente sombria, o compromisso de tornar palatável o tempo que inda resta. Que tal uma reavaliação de hábitos e idéias? Que tal uma chacoalhada na vida profissional e até na aparência?  O que precisava ser feito já foi feito.  Até um pouquinho mais  concorda?



Abracei-a. Acho que falei agradecimento e alguma coisa de amor. Preferi silenciar-me, quanto ao compromisso sugerido, porque ele já estava selado, no meu íntimo.



Não deixarei crescer a barba nem terei brancos os cabelos. Vou continuar no exercício, quase esportivo, da profissão recente. Afinal, ela veio depois de aposentadoria, como se fora uma correção de rumo. Continuarei a fazer poemas pobrezinhos e arremedos de crônica. Delineei sonhos de longo prazo. Permanecerei sócio do meu clube e enfrentarei, com a galhardia possível, as dores que me aguardam. Estou contando com a ajuda de Deus.



Assumi, ainda tacitamente, outros pequenos compromissos. Não vou revelá-los, no entanto, que não pretendo reescravizar-me a nada, nem receber cobrança.



P.S. Se a querida leitora notou um certo travo de tristeza, no texto que acaba de ler e neste aprendiz de cronista, devo dizer-lhe que as dores já são passadas, choveu e a alegria de estar vivo retornou, inteira.

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