Soy loco!

Jornal O Norte
13/10/2006 às 12:37.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:42

Raphael Reys



Não estou fazendo sátira e nem pilhéria, pois, como diz a sabedoria popular, de palhaço, de rei, de médico e de louco, todos nós temos um pouco. Isto indica que a vida tem duas faces diversas.

Muitos são os autores e filósofos, mesmo os clássicos, que falaram do tema da loucura ao longo da história. Guerra dos ratos e das rãs, o Mosquito, Ulisses e Grilo. E um ilustre desconhecido que escreveu o diálogo de um porco chamado Grúnio Corocotta.

Os loucos, ou tantans, como eram chamados e ainda o são, povoaram a minha infância. Barulhentos, apalermados ou agressivos, circulando no centro comercial, na rodoviária e na estação férrea dos montes claros de antanho. Vieram trazidos de outras cidades, donde foram expulsos sem direitos e lançados nas nossas ruas. Sem piedade, como um lixo humano.

Muitos deles construíram, e mesmo fizeram parte da nossa história. Alguns foram até eleitos como políticos, de paletó e gravata. Ajudaram a povoar de medos e temores a minha emoção. Pude compreendê-los ao ler o Elogio à loucura, de Erasmo de Roterdã.  Dei-me conta de que a insanidade mental pode ser sinal de genialidade, de coerência, e mesmo de sabedoria. Relata-nos Fromm: As vítimas de doenças mentais realmente arruinadas encontram-se entre os que parecem normais.

Os loucos vão da terra para a lua ao sabor das suas imaginações. As janelas do meu inconsciente foram abertas ao ler as histórias fantásticas de Poe. Acompanhando a descrição da Atlântica, no Timeu de Platão. Lendo os sete volumes da Doutrina secreta de Blavátsk, e dela também, a tradução do poema épico dos iniciados tibetanos; As estâncias de Dziam, em que consta a loucura do Criador, ao fazer manifestar e nos legar este planeta insano, no qual habitamos em nome da evolução.

Eles, os chamados lelés da cuca, ficavam nas entradas das fazendas de antigamente, enquanto transcorreu a era do romantismo e eram considerados patrimônios da casa onde moravam. Podíamos vê-los desfibrando a tenra palha do milho para pitar o paieiro. Tomando café com rapadura no interior das cozinhas, onde escutavam, sem entender no racional das suas mentes, os relatos da vida íntima dos donos da casa, com suas loucuras e as máscaras de falsidade dos que se diziam normais.

Esses registros repassados em seus inconscientes de forma inconseqüente são como o relato de Pantomima: retidos da mesma forma que a eternidade usa para registrar o sangue derramado por Jesus, ou o ato de um vil!

Na reflexão dos estóicos, entretanto, ser louco é deixar-se levar pelas emoções.

Pela doideira da vida, tentando dominar os meus temores e medos, aprendi a decodificar as loucuras alheias, observando o semblante das pessoas. Erasmo diz que tudo o que louco trás na alma está escrito no rosto.

Já adulto, observo um mundo de loucos buscando um panegírico milagroso, Um planeta entupido de dependentes exógenos, que carregam dentro de si a Bela e a fera. Uma geração entorpecida, inebriada, construindo verdades falsas, aparências, e sob o estupefaciente das emoções efêmeras e das roupagens multicoloridas do ego cambaleante.

Dormimos, enquanto a química dos medicamentos hipnóticos ingeridos nos conduz a portais dantescos, a realidades oprimidas pelo pensamento seletivo, a mundos construídos de bolhas coloridas. Bem razão tinha Calderon de La Barca, ao se perguntar: A vida, sonhos são?

Romperam-se as fronteiras de uma tribo global, constituída quase na totalidade de covardes que recusam a se olharem com a cara limpa. Apega-se a tudo o que é ilusório. A loucura é o boom de nossa civilização moderna e atormentada.

Essa triste herança foi construída pela falta de amor fraternal, da negativa das simples razões que emanam do coração. Encerro a crônica com a observação de Erasmo: A loucura é que governa a seu bel-prazer o universo.

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