Ronaldo Duran
Psicólogo da Fundação Casa
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Desceu no ponto de ônibus. A aula de hoje saturou. Como sempre, muito cansaço. É a matéria mais maçante do curso, comentário ouvido a rodo da boca dos amigos, e murmurado por ela em momentos críticos. Todo tormento tem fim, é o que ela espera. Só mais três meses para concluir o semestre.
A caminhada do ponto de ônibus para casa, no máximo cinco minutos. Aproximando-se do prédio que fica sua kitinete, um rapaz encapuzado anda rápido em sua direção. Impossível se esqui var. "Vou ser assaltada", foi a primeira ideia que lhe atravessou a mente.
O rapaz simulou ter uma arma. Sim, seria assaltada, agora tinha certeza, devido à forma que o sujeito a abordou.
Intimou que ela entrasse no prédio. "Sem bancar a engraçadinha", as únicas palavras que ele rosnou. Dentro da kitinete, o sujeito trancou a porta e pediu para ligar o som no último. E o que se seguiria depois é o temor número 1 de qualquer mulher: alguém que busca arrancar prazer unilateral de seu corpo através da violência, da brutalidade, da força.
Menos de 20 minutos levou o ato que marcaria para sempre a vida da universitária. Mal viu quando o bandido, já com as calças erguidas, correu porta a fora. No corredor do prédio, a pressa fez com que o malfeitor quase tropeçasse num rapaz, que acabava de chegar e que por sinal é amigo da vítima.
Embora houvesse mais gente no prédio, o socorro se negou a alcançá-la enquanto se debatia nos braços do algoz. A liberdade tem desses possíveis inconvenientes. As universitárias no afã da independência às vezes perdem a noção de que em grupo se é mais forte, está-se mais protegida. Muitas, senão vivem sozinhas em kitinetes, conservam o hábito de circular a qualquer hora da noite na rua.
Certo, a total segurança pública deveria ser ga rantida. Mas há uma diferença entre o que deveria ser e o que realmente é. Existem os malfeitores que se aproveitam da "fragilidade". E a mulher é por natureza alvo diante do instinto do macho que quer satisfazer um doentio desejo.
Levantou-se como pôde. Ergueu a calça. Tomou um copo de água. Abaixou o volume do rádio. E quando caiu em si, o choro de raiva durante o ato violento tornou-se agora um pranto de indignação. Chorou copiosamente.
Meia hora depois, rodeada pelos amigos que agora sim notaram o choro ou, que acabando de chegar da faculdade, viram a agitação, teve a seguinte resolução: prestar queixa.
Levada para a Delegacia da Mulher, a jovem fez boletim de ocorrência. "Com seu ato de coragem, você ajuda a polícia apertar o cerco contra este bandido. Assim, evitar que você ou outra pessoa seja abusada novamente", a delegada ia dizendo, mas sabendo que fácil não era a universitária estar ali, sentindo-se impotente diante da atrocidade que sofrera.
Uma pista que a polícia trabalha é que o bandido tinha conhecimento da rotina da moça, inclusive que ela residia em kitinete e que podia está sozinha naquela hora. Do contrário, ele a teria arrastado para outro lugar mais "protegido" para praticar o abuso.
O sujeito de fato era um admirador das universitárias do prédio. Trabalhando pelos arredores, cada dia, cada momento que seu olhar pousava nesta ou naquela estudante que lhe atiçava os instintos, ficava como que um cachorro, faminto por tocar, beijar. "E cara! aquilo não é para seu bico", odiava ouvir estas palavras que o faziam enxergar seu pouco atrativo para as estudantes daquele nível.
As cenas iam se acumulando durante o dia de trabalho. O garotão que chegava de picape ou de gol e que levava esta ou aquela menina diante dos olhos invejosos. A universitária que descia do Honda Fit, arrumadinha, vindo da casa dos pais em outra cidade. Tudo servia para nutrir sonhos terríveis. Eis um rapaz traumatizado, e que com seu trauma traria um pior à vida da universitária que ele pegou a força.
No dia seguinte, estava ele, diante do prédio de kitinetes, com uma fisionomia mista de satisfação e arrependimento.