Ser tolerante não é ser tolo

Jornal O Norte
08/11/2005 às 12:51.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:54

Ken O'Donnell *

Nós precisamos deixar de registrar coisas ruins que nos deixam sensíveis. Temos que registrar as coisas boas e não as coisas ruins.

Há uma história de dois comerciantes do deserto. Um chama-se Abu e o outro Salim. Um dia eles estavam com sua caravana de camelos atravessando um rio e começou uma enchente e em pouco tempo o rio começou a encher e eles já estavam atravessando. A enxurrada veio e levou os dois para uma turbulência e imediatamente Abu saltou de seu camelo e salvou Salim, que estava em apuros, levando-o para a margem.

Salim ficou tão agradecido que queria registrar o fato. Ele gravou na rocha ali uma mensagem. Eles continuaram a fazer seus negócios e a atravessar o deserto de um lado para o outro. Alguns meses depois, naquele mesmo lugar, eles estavam conversando e um dos camelos estava com dificuldades. Eles começaram a brigar, e a briga ficou feia. Depois, mais feia ainda. E eles estavam perto daquela gravação na pedra. Então, Abu disse:

- Nós não podemos brigar assim.

Eles se perdoaram entre si e Salim disse:

- Foi você quem começou a briga, mas você também foi o primeiro a reconhecer que estava errado. Eu vou registrar o fato.

E escreveu na areia. Então Abu perguntou:

- Por que você não escreveu na pedra como da primeira vez?

Ao que Salim respondeu:

- Não. Eu não quero me lembrar disso. Só quero me lembrar daquela gravação.

- Então, temos que gravar coisas boas e não gravar coisas ruins. Se você grava coisas boas e coisas não tão boas, você deixa pra lá, você vai ter um acervo de coisas boas depois de algum tempo. Eu tenho que ver o benefício e não o malefício. Tudo é benéfico, mas eu tenho que treinar para enxergar o benefício. E não registrar coisas ruins. Aconteceu, aconteceu. Houve milhares de influência para que aquilo acontecesse. Se gravo coisas ruins é porque o intelecto é de pedra e não um intelecto divino, como deveria ser. Aconteceu, deixo pra lá e pronto.

Essa consciência natural de que temos uma origem comum, temos o direito de sermos diferentes e eu preciso ter uma régua das coisas boas dentro de mim. Isso me ajuda a passear pelo mundo e as provas são vistas como pontes e não como muros.

Cada um é cada um. Achar que está tudo bem comigo e que os outros estão no inferno, isto não é tolerância. Dividir o mundo pelas preferências não é ser tolerante. Achar que tudo vale não é tolerância.

Entendendo a razão profunda das coisas – eu e os outros – dá pra conviver com todo mundo. Todo mundo tem alguém difícil por perto. Imagine-se vivendo com 30 daqueles e ainda ficar bem. Aí você pode se considerar tolerante. Você deveria dar boas-vindas às pessoas difíceis porque elas é que vão ensinar você, mais que as pessoas boazinhas.

Não há um limite para a tolerância. Isso não quer dizer que você tenha que ser um tonto, tolo. Se alguém abusa de sua boa vontade por excesso de tolerância e você não fala nada na hora que tem que falar por medo da reação do outro, isso não é tolerância. Se por um lado tolerância não tem limite, por outro lado você tem que ser sensato.

Ao chamar a atenção de alguém não significa que você não está tolerando, mas você está tentando proteger o outro indivíduo. Tolerância é quando o sentimento por trás daquilo que você quer é um sentimento positivo e bom e não porque você fica ofuscado e bravo. Não podemos tolerar injustiça, mas agir de uma forma positiva. Portanto, afastar das situações não adianta. Temos de arrancar os pregos e tampar os buracos.

* Analista de comportamento

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