Sem alarde: uma poeta surpreendente

Jornal O Norte
08/12/2005 às 10:27.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:55

Anelito de Oliveira *

Há um momento da vida em que se torna difícil, para não dizer impossível, ser poeta. Esse momento, a que todos inevitavelmente chegamos, é a chamada maturidade. Momento que se caracteriza pela “falta de tempo”, como se diz por toda parte. A poesia, assim, passa a ser coisa de um momento em que o tempo não faltava, em que tempo, aliás, era o que sobrava. Questão bastante complexa, claro, que vai-se tornando cada vez mais complexa à medida que pensamos numa justificativa corriqueira, aquela: “time is money”.  Pois é. Na verdade, não é que falte tempo, mas sim que o tempo agora, nesta maturidade, é usado com outra finalidade, é dedicado a outros objetivos.

No momento que antecede a “adultice”, digamos, naquela “verdidade” por que todos passamos, tínhamos tempo para nos envolver, de alguma forma, com a poesia: escrevendo, ouvindo, discutindo, contemplando. E não tínhamos, obviamente, dinheiro, que até considerávamos, no fundo, uma coisa maldita. É preciso ser sincero, pelo menos isso: na maturidade, a partir da “adultice”, tendemos a ver a poesia como a imagem de um tempo feliz-infeliz, em que vivíamos uma “estranha forma de vida”, como naquela canção cantada por Caetano.

Diante da dificuldade de ser poeta hoje – na acepção forte da palavra, claro, poeta como foi um Drummond, um Bandeira, um Mário etc,  para ficar só no Brasil modernista – é que o ânimo de dois nomes, aqui em Montes Claros, não pode nos deixar senão animados. Falo de Guilherme Rodrigues e Thaíse Diaz, ambos montes-clarenses por devoção, nascidos em Manga e Mato Verde, respectivamente. São, neste momento,  as vozes mais importantes da poesia na cidade, e, até onde a experiência de leitor me permite dizer, algumas das vozes significativas da poesia produzida em Minas Gerais atualmente.

Ainda inéditos em livro, Guilherme Rodrigues já está bem conhecido em função das constantes declamações públicas de poemas seus e dos outros,  intervenções sempre marcadas por uma verve dramática, revelando-se um traço da sua personalidade poética; Thaíse Diaz, por outro lado,  não teve ainda a visibilidade merecida, embora escreva e participe, há vários anos, do Salão Nacional de Poesia Psiu Poético. Graduada em Filosofia pela Unimontes, sua poesia se difere da de Rodrigues, aparentemente, por uma vontade de sistematizar o que tem a dizer, por um certo controle da sensibilidade.

Esta rápida distinção é apenas para estimular o leitor, especialmente aquele que já conhece  pelo menos um pouco do trabalho de Guilherme Rodrigues, a conferir alguns poemas de Thaíse Diaz que estarão expostos no Painel Permanente de Poesia Juca Silva Neto, na Biblioteca do Centro Cultural Hermes de Paula. A exposição, denominada “Na coisa”, será aberta na próxima Terça-feira, às 20 horas, e ali permanecerá até o dia 21 de dezembro. Na abertura, haverá uma leitura e comentário dos poemas com a participação da poeta.

Incumbido de selecionar os textos para a exposição, incluí este que dá bem a medida da poesia de Thaíse Diaz: “Minha tristeza não faz alarde de si/ Ecoa como fluxo sangüíneo pelas veias do poema/ Não gosto do óbvio”. Seu título: “Do rio que me contorna”. Trata-se de um poema, convenhamos, que dá a medida do incomensurável que fundamenta essa poesia, o que, definitivamente, não se pode medir: o viver, não a vida.

Há, evidentemente, uma diferença entre uma coisa e outra: sabemos o que é a vida,  algo já definido “aprioristicamente” (Kant), isto é,  fora da experiência. O viver, por outro lado, o movimento que atravessa a vida, o modo como a vida realmente acontece, sempre nos surpreende. O viver está aquém, dentro e além da vida, é um fluxo, um estado do impermanente, daquilo que não pára num determinado tempo e espaço, que é transtemporal e transespacial, por isso incomensurável: como medir essa coisa que sempre nos escapa?

De um modo geral, os poemas de Thaíse Diaz não fazem alarde, não gritam “vejam-me!”, como certa produção poética ególatra que não se dá conta do seu ridículo. De um modo geral, pode-se dizer mesmo que são poemas que fazem silêncio, um religioso silêncio: aquele silêncio de quem quer religar-se a si mesmo, reencontrar-se. Fazem silêncio exatamente porque quem os concebe não quer cair na obviedade romântica de superestimar a própria tristeza. Enfim, uma poeta surpreendente.

* Poeta, crítico e escritor

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