José Wilson Santos
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Tem dia que a gente acorda tipo assim, sei lá, entende? Pois foi exatamente desse jeito que o Degas aqui acordou hoje. Talvez, quem sabe, por causa do friozinho que pedia chocolate quente e mais tempo na cama, sob o edredom e sob Melancia. Se ela não estivesse de quase oito meses e morasse no chatô.
Acordei tipo assim, com uma puta saudade sei lá de que, entende? Vai ver de uma morena que nunca vi mais magra, ou de lugares onde nunca pisei os pés, tipo Porto de Galinhas, Nova Iorque, Milho Verde...
Despeitei com saudade de uma tal felicidade arretada, que não estou bem certo ter experimentado. Daquela amizade que talvez ainda não tenha feito, do carrão ainda por comprar, daquela poltrona do papai que está por chegar.
Coloquei o nariz pra fora do edredom meio assim, sei lá. Acho que morto de vontade de ver as carinhas dos gêmeos que chegam em setembro, de saber se nascerão loirinhos como o Degas aqui foi um dia, ou sardentinhos como Melancia ainda é.
Quem sabe, por isso mesmo, acordei morrendo de saudade das noites bem dormidas, como essa da qual acabei de despertar; de poder ver duas, três vezes os lançamentos cinematográficos no DVD; curtir o que há de novo na Som Livre, regado a cerveja gelada e castanha de caju; ou, quem sabe, apenasmente ir pra cozinha, como no domingão, exercitar meus dotes de chef.
Acordei tipo assim, sei lá, entende? Com uma vontade danada de fazer não sei bem o que. De repente, reler qualquer coisa de Jorge Amado, Machado de Assis, Carlos Drummond, Cora Coralina. Rever Cidadão Kane, Zorba o Grego, Os Trapalhões no Planeta dos Macacos, As Aventuras do Pato Donald, Bebês: Como Cuidar Bem Deles...
Quem sabe, acordei precisado de reaprender as cantigas de ninar que cantei pros meus filhotes, há trocentos anos, enquanto percorria a sala pacientemente, madrugada a dentro, depois da mamadeira e do arroto, a niná-los, para que finalmente dormissem.
Acho que acordei até, tipo assim, com uma saudade danada dos doutores Hélio da Branca de Neve e Valdeir Barreto, que nos acudiram tantas e tantas vezes e nos aliviaram pacas, dizendo apenas três palavrinhas mágicas: “está tudo bem”.
Despertei com uma baita saudade de dar bainho na banheira azulzinha, passar talquinho, trocar fraldinha, dar mamadeira, tapinhas nas costas pra arrotar, e depois agasalhar nos braços até a pessoinha dormir o sono dos bem cuidados e dos bem amados.
Tenho recebido muitos tapinhas nas costas, índio velho, não para arrotar, mas por conta do par de garotões que está para chegar. A maioria, de condolências. Muitos amigos e muitos nem-tão-amigos acham que o Degas aqui está fulminado e mal pago, por, a esta altura do campeonato, quando boa parte dos meus pares quer mais é jogar damas na praça e meter o pau na Previdência, eu esteja começando tudo de novo.
Mas se ainda hoje, ainda agora, me emociono com a paternidade, então devo merecê-la. Talvez, enquanto pude, tenha sido bom pai. Tanto que o Pai me escolheu de novo, depositando em minhas mãos duas vidinhas novas, que ei de preparar bem pra dedéu.
E tem mais, índio velho: se numa época egoísta como essa, marcada pela individualidade, em que tudo o que boa parte das mulheres quer é não querer nada que lhes atrapalhe as carreiras, eu ainda consigo cativá-las, ao ponto de me darem filhos, então devo merecê-las.
Tô te falando, rapá! Tem dia que a gente acorda tipo assim, sei lá, entende?
Tão tá então?