Alessandro Freire
Radialista e jornalista
Eis-me aqui, diante da tela, sem saber se sou capaz de aventurar nas letras depois da leitura atenta da crônica Muito prazer, de Eduardo Lima. O que em outras épocas teria que ser rabiscado em uma folha em branco transformou-se em “novo documento em branco”, do Word. Perguntei-me: - Será que ele escreveu ou digitou?
As palavras fluem com tanta facilidade e poesia que mais se aproximam da linguagem da “pena” do que dos minúsculos e amontoados quadradinhos do teclado. F1, insert, home, caps lock e outros não combinam com a magia de frases que se entrelaçam para mostrar um misto de passado e fantasia.
Muito prazer, de Eduardo Lima, ou Goya, como os mais noturnos o conhecem, me trouxe uma saudade gostosa. Transportei-me e vivi uma outra Montes Claros, enquanto passeava meus pensamentos pelo texto. Fiz associações maravilhosas tentando manter viva em minha péssima memória os ares de uma cidade interiorana que lutava contra os anseios de metrópole. Luta inglória.
Al Pacino, no ótimo Advogado do diabo, finaliza: - Vaidade, um dos meus pecados favoritos (ou algo assim).
A vaidade de ser grande vestiu de lona preta os arredores de uma Montes Claros que antes exalava a alegria dos passeios pela serra; ao Cedro, e permitia as aventuras dos mais ousados da época, em pernoites com direito a deleitar-se com melodias e amores ao, hoje, Sapucaia.
Tenho medo do futuro. Medo do olhar, em princípio, atento dos netos que Deus, em sua misericórdia, está preparando para mim. Digo, em princípio, porque quando ouvirem desse saudosista a pureza das histórias de uma Montes Claros que, como escreve Eduardo (nunca me acostumei de chamá-lo de Goya) “...era a nossa cidade, nós a sabíamos, tocávamos sua intimidade” e compararem com o que a pseudo-evolução tem nos causado, darão um suspiro de inveja.
Tive pouco contato com Eduardo. Um pouco da diferença de idade e o amor por uma Maciel, Marina, irmã da Mirinha e prima do Gera e da Rita, de quem ele “conheceu e bebeu saber” segundo sua crônica, não me permitiram ousar pelas madrugadas e becos em sua companhia e de outros apaixonados por nossa história. Porém, os sonhos são os mesmos, os sentimentos também. É como se sussurrasse pra mim mesmo: - Tenho saudades...
Saudades de brincar pelas ruas sem preocupações com roubo de tênis, saudades de sair dos bares nas madrugadas e ir para casa a pé, sentindo o cheiro da noite, saudades de namorar no banco da praça da Matriz, do cinema... Transformaram nossa vida em números. Lembro-me que podia escolher entre o São Luiz, o Montes Claros, o Fátima ou o Coronel, ao invés de ter que optar por um número. Saudades da sessão das quatro, no domingo, quando entrávamos com sol e saíamos já escuro. Nos perdíamos no tempo. Era bom; diferente de hoje.
Faço força para não me esquecer de nada. Do sabor das mangas roubadas no terreno do Imaculada, do bate papo e dos violões nas madrugadas na esquina do Coronel Georgino.
Agradeço a Eduardo Lima as lembranças a que me reportaram sua crônica e sinto-me feliz em saber que lá dos belos horizontes da corte, apesar do cerco de concreto e fumaça, ainda se respira o ar do pequi, da Matriz, dos becos... Ainda que na memória.