Antônio Augusto Souto
Meu companheiro de viagem seguia à minha frente, à noite e em estradinha poeirenta. Já perto do nosso destino, ele caiu em mata-burro aquele fosso, leitora, escavado na boca de cortes ou das porteiras, coberto de traves espaçadas, para vedar a passagem de animais. Mas não impede a passagem apenas do híbrido de jumento e égua. Veda também a fuga de eqüinos, bovinos, bubalinos e similares de quatro patas ou não.
A esta altura, devo confessar que nunca vi, em minha vida já extensa, burro caído em mata-burro. Nem cavalo, nem jumento ou boi, vaca ou búfalo, bode ou carneiro. Já vi carros, motos e caminhões, que são dirigidos por gente. O que não quer dizer gente burra ou motorista ruim. Qualquer um de nós está sujeito ao acidente.
Depois de quase uma hora, livrou-se ele do incômodo, com a solidariedade dos que chegavam e se aglomeravam.
Falei solidariedade, mas ponho um pé atrás: a estradinha estava interrompida...
Concluído o “salvamento”, restou o prejuízo do tempo perdido e de um pneu caro, que estourou.
Em situações semelhantes, sempre aparece um espírito de porco querendo saber quantas o motorista “acidentado” bebeu, sugerindo que quem cai em mata-burro está bêbado ou é mesmo burro. No caso, o motorista é quase abstêmio. E estava abstêmio. Era inteligente e se achava lúcido e senhor de seus reflexos.
Na manhã seguinte, já plenamente entregue ao lazer, meu amigo caiu de bicicleta, por duas vezes, escalavrando braços e pernas. Quer dizer, em menos de 24 horas, caíra três vezes!
A conclusão lógica seria: se não bebia, era inteligente e bom motorista, só poderia, mesmo, estar com o reverso defeituoso ou com o caidor ativado.
Falar em caidor ativado, gente com idade igual ou superior à minha está com ele sempre assim. Já com o reverso, ocorre exatamente o contrário: só anda desativado, seja por defeito, seja por desleixo. E é preciso ter extremo cuidado, nas locomoções e nos pousos, pois peça de reposição, para máquina velha, não se encontra facilmente no mercado.
Não estou querendo dizer que carro antigo deva ficar o tempo todo na garagem, coberto de capa protetora. Não. Deve sair, circular pelas ruas, passear ou até fazer viagens mais longas. Revisões periódicas são absolutamente necessárias, assim como são obrigatórios os cuidados com a manutenção: pneus bem calibrados, combustível de boa procedência, óleo no nível, filtros novos, bateria carregada, coisas assim.
Outra coisa de suma importância: carro velho tem que estar, a qualquer hora do dia ou da noite, limpo e cheiroso.
Já pensou, leitora querida, um Mercury vermelho 1940, câmbio automático, empoeirado e recendendo a mofo? A situação fica pior, se os pneus estiverem carecas e a suspensão avariada.
P.S.: Meu companheiro de viagem, que caiu em mata-burro, é bem mais jovem do eu.