Márcio Adriano Moraes
Professor de Literatura e Português
marcioadrianomoraes@yahoo.com.br
Não há cercaduras capazes de reter a direção de um olhar determinado. Por entre vidraças, ainda que meio distorcida a imagem é percebida. O encanto visual preenche toda a retina, e o semblante como um flash fotográfico é guardado na memória. As singularidades contribuem para a fixação e a absorção de sentimentos. Não nos apaixonamos por algo comum. Normalmente, a paixão ocorre por aquilo que é totalmente novo ou totalmente velho, de acordo com a sensibilidade do coração.
Impossível, então, é barrar os sentimentos que escorrem pelas veias e nos deixam fora, por um instante, da realidade. Pois, para amar, é preciso não estar no mundo. Quem vive o presente cotidiano perceberá que há outras atenções mais exigentes do tempo que se deleitar com um perfume floral. Andar à toa pelas ruas da cidade só para observar os rostos humanos e ler neles histórias seria impossível para aquele trabalhador atrasado ou para aquele outro contaminado pela cobiça. Só conseguiremos enxergar os sentimentos genuínos quando verdadeiramente deixarmos de existir, ainda que rapidamente, neste mundo. Assim, poderemos olhar para uma beleza e ser agraciados por tal beldade mesmo com os olhos fechados. Pois já a enxergamos dentro de nós.
As pálpebras que nos auxiliam no sono noturno são incapazes de fechar os nossos olhos. Não fechamos os olhos, estão sempre abertos, querem sempre enxergar. O que fazemos muitas vezes é vendá-los com um pano, com as pálpebras ou, simplesmente, com o cérebro. Mas nenhuma cercadura visível ou invisível é capaz de cegar a imaginação. Basta olhar uma vez para uma rosa e saber a distribuição de suas pétalas. Se não a recorda bem, a imaginação entra em ação.
Assim, vendo singular beleza em uma pequena, senti-me vivo. Sentimento que há muito não fazia parte da minha sensibilidade romanesca. Estar vivo não significa respirar ou existir. Estar vivo é inspirar e expirar, é notar e ser notado. Nunca vi um capim, sempre quando olho para esta planta verde vejo mais de um capim, vejo um forrageiro. O capim não existe, ele não é notado nem inspira. Contudo, quando me deparei com aquele ser projetando em suas mãos luzeiros refletores, fiquei inspirado, logo pude existir. Com insistência amena o contado permitiu expiração. Notei e foi notado. Ressuscitei de uma morte existencial para me tornar um ente querido. Bom é fazer amizades só pelo olhar, e com o olfato, com o paladar, com a audição, e, sobretudo, com o ato, concretizar...
Projetado, então, no âmago um sentimento de paz e de carinho. Incontrolável desejo de ouvir a voz, de ver o rosto ou de, simplesmente, ler as palavras traçadas virtualmente. A razão adormece quando a emoção reverbera. E a maior vontade da razão é descansar, pois está cansada de ser surrada pelos homens. Que reine a alegria, o medo, a surpresa, a ânsia de sentir-se querido e amado.
E que aos homens seja permitido enxergar, não com os olhos, mas com outros modos. Enxergo a todo instante aquela beleza vislumbrada puramente. Cada detalhe, cada parte está petrificada e límpida na minha mente. Assim, enxergo-a sem cessar tão viva e altiva na retroprojeção da minha vida.