Reparando danos da escravidão

Jornal O Norte
Publicado em 22/02/2008 às 10:30.Atualizado em 15/11/2021 às 07:25.

Leonardo Silvino


Professor universitário



A determinação da UERJ em destinar vagas para estudantes negros e pardos em seu vestibular só ganhou notoriedade quando os filhos da classe média branca começaram a sentir na pele o que é ser preterido por sua cor.



Menos relevante neste caso é saber se a determinação é inconstitucional. Se ela não é ideal, é forma de reparar os anos de escravidão com a massa que migrou das senzalas para as favelas.



Segundo o Dieese, um trabalhador negro da região metropolitana de Salvador, capital com o maior proporção de negros no país, recebe em média cerca de 51% do que um não-negro. Basta lembrar que 64% dos pobres são negros, frutos da falta de visão histórica dos eurodescendentes.



Entretanto a reserva de 40% das vagas abre precedentes para injustiças. Um exemplo é a dificuldade maior que os migrantes nordestinos, descentes de holandeses e portugueses, terão de ingressar nas faculdades. Mais sensato e dentro da nossa realidade, seria a reserva de vagas para alunos de escolas públicas.



Os defensores das ações afirmativas apontam que não. Que este foi o recurso essencial da ascenção que os negros norte-americanos tiveram em diversas áreas, incluindo a mídia. Mas as causas do racismo no Brasil são as mesmas que as dos EUA? São as mesmas as separações de classes? Corremos mais uma vez o risco de ser chamados de ‘los macaquitos’.



A determinação de vagas não é nova já foi usada também para excluir. Em 1887, o governo anti-semita do czar Alexandre III destinou uma cota máxima de 5% para judeus do corpo discente de ginásios e universidades em todo o Império Russo. Estes 40% destinados a negros e pardos também não são um limite máximo?



Na mídia os negros são tão excluídos quanto nas universidades. O modelo de imitação americana também prevalece. Quando aparecem negros são em casais da mesma raça ou seguidos de descendentes de asiáticos. O moreno e o índio são quase excluídos da programação da tv. Os comerciais adotam a mesma fórmula dos shows de realidade: diversos brancos, dois ou três negros e um ou outro asiático. 



A interracialidade, tão comum no Brasil, é varriada para debaixo do pano. Está virando moda usar negros para chegar ao público branco descolado. “Está vendo? Não sou racista, meu celular é daquela marca que tem aquele ‘negão’!” E assim os preconceitos caminham...



Algumas medidas são lentamente tomadas para modificar o caso. A Caixa Econômica Federal retirou recentemente de circulação uma cartilha de prevenção de golpes em que os bandidos eram negros e as vítimas brancas. Mas isto é apenas o começo de uma série de atitudes veladas.



Se as cotas fossem aprovadas para a mídia a coloração da TV certamente mudaria. Os situacionistas mantém o discurso que a propaganda não é propulsora mas espelho dos preconceitos da sociedade. Os que desejam uma ação afirmativa afirmam que a mídia deve exercer sua parcela de responsabilidade social e não a deixar apenas no discurso.



A conseqüência está na reparação das desigualdades de acordo com a mais recente Conferência Mundial Contra o Racismo. O impacto destas transformações pode transformar nosso racismo oculto em racismo “culto” com milhares de justificativas em relação a igualdade de possibilidades, livre concorrência, negativa de privilégios e etc.



Seja quais forem os resultados, a determinação da UERJ põe em voga um assunto que ficava esquecido entre a Casa Grande e a Senzala: os nossos medos e preconceitos. Uma questão de bom senso.

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