Que trem é esse? - por Oliveira Júnior

Jornal O Norte
16/01/2007 às 12:12.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:55

“Óia” o biscoito de queijo. “Óia” o bolo. Ei menino do picolé. Vamos na classe econômica. Esses sons e gestos não são mais visíveis há, pelo menos, 10 anos e três meses. Hoje, as cenas são flash-back de um tempo que dificilmente voltará para o nosso convívio. Uma década já se passou e pouco tem sido feito para repor esses modos e costumes de um povo que não se importa em ser tachado de sertanejo, de capiau. O transporte ferroviário, carinhosamente batizado de trem, encontra-se na extremidade de um possível coração partido da população antiga de Janaúba, de Monte Azul e até de Montes Claros, sem desconsiderar os moradores das margens das linhas que são testemunhas de inúmeras viagens, ida e volta.





Quantos não foram as embalagens e os biscoitos e outros “trens” arremessados pelas janelas?. Ah, quanta saudade dos embarques e desembarques nas estações. “Seu” maquinista, por favor, a que horas vamos chegar em Monte Azul? Essas e outras indagações ecoam pelas margens da linha férrea do Norte de Minas, por onde passava o trem do sertão ou, para alguns, o trem baiano. Paçoca, farofa, rapadura e cachaça. Êta culinária que servia de aperitivo para a longa, mas agradável viagem. Hoje, é só saudade. A linha férrea e o trem continuam as suas missões, mas tão somente para o mercantilismo. Adeus o transporte coletivo e comunitário. Quantas violas e sanfonas poderiam ser ressuscitadas para, no transcorrer das viagens férreas, darem o tom musical de uma canção.





Olha o arco-íris que sae da montanha. Que bela paisagem. Veja a nuvem, mais parece um carneirinho. Essas cenas emolduradas pelas janelas do trem ficaram na memória daqueles privilegiados que cortaram o sertão norte-mineiro. Essas mesmas cenas agora são meras imaginações daqueles que não puderam estar dentro da locomotiva quando esta vira a curva depois da cidade de Capitão Enéas.





Piuuiuuiuiu. Soa o apito do trem ao anunciar a chegada à próxima estação. Meninos e meninas com roupas estampadas correm para tentar alcançar aquela monstruosidade férrea. É alegria geral na comunidade. Minha tia chegou, trouxe um presente da cidade para mim. Meu pai vai viajar de trem. “Seu” João andou duas léguas para “pegar” o trem. Na bagagem de Maria têm meia dúzia de galinhas caipiras, todas encomendadas para os clientes da cidade de Montes Claros. De uma só vez o trem leva dezenas e até centenas de gente, mas que o ônibus. O tempo da viagem é suficiente para um passeio pelos vagões, uns com poltronas estofadas e outros com bancos de madeiras. No restaurante do trem, que chique, é reservado para a alimentação, descanso e diversão.





Quanta felicidade por causa de um trem que, na simbologia de alguns, é sinônimo e antônimo de outras coisas devido ao costume regional em dialogar. Mas, o trem, propriamente dito, foi parâmetros para vidas e idéias. “E mês que vem, eu vou de trem para Montes Claros”, já dizia trecho da música composta e cantada por artistas norte-mineiros.

Piuiuiuiu. O trem chegou. Mas que trem? Eh,essa situação era visível. Cerca de 70 a 100 quilômetros do local por onde o trem passava, a população não sabia da existência daquele meio de transporte. Triste mais ainda é aceitar que pessoas tão distantes decidiram pelo fim do trem...o trem do sertão. Hoje, quem vive às margens da ferrovia fica indignado quando ouve o apito do trem que sobe e desce com carga, essa não pode observar a paisagem natural pelas janelas dos vagões. Lá vem o trem... que nunca chega.


 


* Texto apresentado na disciplina de Semiótica do 5º período do curso Comunicação Social/Jornalismo da Funorte, em novembro de 2006

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