Antônio Adenilson Rodrigues Veloso
As árvores morrem de pé!!!
A aroeira, o vinharco, o Jequitibá, e frondosa gameleira do meu estremecido Poção todos morrerão de pé.
Sidney Safe, o Carlos Lacerda do Tribunal do Júri, atacado por pertinaz mazela contra a qual nem a lança de Aquiles, que curava feridas, pode. Morreu de pé!!!...
Ao comparecer perante o Juízo Supremo, pode dizer como a imponente figura bíblica de Samuel “Nada temo porque nada devo” e como o Apostolo Paulo: “Bonus certavit certamem et maneat fidem”.
A morte se reveste de significado diferente na despedida dos homens. Uns, conquanto felizes, partem lugubremente como o final de uma tarde chuvosa e triste. Outros, embora injustiçados, desaparecem, á maneira dos dilúculos nas montanhas, banhados por uma perene beleza.
Sócrates prefere a razão á vida, bebe a cicuta. Joana D´Árc vê-se queimada nas dobras dos seus sonhos. São Paulo, o convertido de Damasco é decapitado por Nero; Savanarola é devorado pelas chamas da Inquisição. Contudo os agentes da crueldade receberam o julgamento da História e com isto a humanidade se prestigiou. Os mártires e os heróis continuam impelindo o destino pela estrada misteriosa da vida, que se perde no abismo das idades.
Sidney Safe inscreveu seu nome na galeria dos heróis da Pátria, quando, nos anos de chumbo, defendia os perseguidos da Ditadura nos julgamentos sob o guante do Conselho Permanente da Auditoria da Justiça Militar, em Juiz de Fora e no Superior Tribunal Militar com aquele mesmo vigor, erudição e tenacidade, com que Demóstenes escreveu a Oração á Coroa, o mais terrível libelo contra os tiranos e o liberticídio.
A vida nos legou este amargo dom de nos arrebatar os amigos mais caros.
Quando, ao longo da caminhada, as urzes e cardos me sangravam os pés, quando se invertiam as regras da razão e as trevas de obscurantismo turbavam os horizontes, surgia a solidariedade despretensiosa, mais do que fraterna, de Sidney Safe, extraordinário guerreiro invencível, com a fibra indomável do gladiador, ajudando-me e patrocinando minhas dezenas e dezenas de defesas penais, sempre por delitos de opinião, diante dos delírios da força e as insânias da truculência.
Foi, na Presidência da OAB MG, que sua alma festiva das alvoradas partiu para a eclosão da liberdade da Pátria das peias da Ditadura obscurantista, que até 24 anos atrás, amortalhava a Nação brasileira e nos cobria de vergonha e opróbrios perante as nações cultas e civilizadas.
Na sua fecunda Presidência da OAB/MG retoma a defesa dos princípios fundamentais da nossa História, com gênio político, o seu verbo potente e a intrepidez do seu caráter, galvaniza a alma cívica de Minas, alertando-a contra as deformações da força, os perigos da violência e a insensatez do arbítrio irresponsável, deixando-nos a lição imortal que penetrou a consciência da Nação e nela se cristalizou do respeito ao voto soberano do povo, do acatamento ás decisão dos Tribunais íntegros e livres, da submissão á Lei e, acima de tudo, o horror a todas as formas de Ditadura, que se extravasam sempre na intolerância, na opressão e no fratricídio.
Estilista primoroso, notabilíssimo orador, tinha o mundo aos seus pés, e, nos Palácios da Deusa de Themis, era recebido por todos com alegria e reverencia e a cada passo um grande amigo lhe depunha fé, admirado e festejado como fosse um jovem Deus!!!
Suas defesas perante os Tribunais do Juri, deixam- me extasiado, ante a velocidade do seu pensamento, seus argumentos cortantes e firmes, desnorteavam os adversários.
O amor, a mais humana e a mais terrível das paixões , estigmatizou o drama de Glória Lopes, viúva com a bolsa cheia mas o coração vazio, encontrou pelos caminhos da vida um repelente mercenário de alcova, que a surrava, querendo mais dinheiro para torra-lo com mulheres de vida airada pelos lupanares de Belo Horizonte. Descarregou-lhe tiros de revólver e é presa em flagrante.
A defesa da radialista da Rádio Itatiaia Glória Lopes comoveu toda Belo Horizonte que lhe absolveu sob os aplausos de toda sociedade por que esta escrito no Livro dos Provérbios que “O povo se exulta com os atos justos de suas autoridades”.
Fez em Montes Claros monumental defesa de Lucas da Piedade Diniz, um ‘Coronel de Putas” de Pirapora, onde matara a mulher e o julgamento foi desaforado e presidido pelo grande Juiz Adão Múcio.
Meus bons fados me deram a ventura de dividir com Sidney Safe a tribuna do Júri de Paracatu, ele defendeu o Delegado Regional Milton Araújo, e eu defendi o detetive, filho de Montes Claros, Waldemar Lopes, acusados de matar o preso Sidney Rosa.
O seu canto de cisme foi na defesa de Luciano Farah, mandante do homicídio a tiros o Promotor Francisco Lins, acusado pelo advogado Antonio Patente. Conservo nas retinas dos meus olhos, o comovente final do julgamento apesar, de condenado com cruel e chocante exagero, uma multidão de estudantes de direito se comprimia, na planície do plenário do Juri para abraçar Sidney Safe, o artista da palavra, vibrante e encantador, disputando-lhe autógrafos.
A Corte do TJMG prestou-lhe comovente e merecida homenagem pela sua defesa perante o STF do Ministro Paulo Medina.
Em l.978, desanimado com o retrocesso institucional provocado pelo Pacote de Abril editado pelo Imperador Ernesto Geisel, que instituiu entre outras execrandas felonias, a repelente figura do Senador Biônico, banindo patriotas, institucionalizando a tortura de presos, na soturna privacidade das masmorras da Ditadura, mais oprobriosa do que a escravidão, como se o tronco dos escravos houvesse sido arrastados para os socavões de uma delegacia de Policia, tive a ousadia de lhe perguntar por que como tantos outros, não se acomodava também. Porque a Ditadura ficava cada vez mais enraizada e se revigorara com o estrondoso Milagre econômico patrocinado pelo Gordo Mau, Ministro do Planejamento do Ditador Médici e os jornalões da imprensa profana diziam que a economia não existiria sem as diretrizes do gênio incompetente Mario Henrique Simonsem, Ministro da Fazenda e no meu pensar seria melhor desistir, baixar a guarda, diante de uma luta desigual e sem perspectiva de vitória.
Fulgurante de civismo, como se sentisse as costelas de Roscinante roçando-lhe nas pernas, respondeu-me que Ruy Barbosa e Epitácio Pessoa se avultaram em dignidade e heroísmo, quando se recusaram a se acomodarem com o perjúrio da Constituição e o império da violência, e com palavras de fogo: “Todo sacrifício é pequeno, quando celebrado com ardor patriótico, no altar da Pátria.”
Foi um predestinado, que cumpriu, com grandeza, a sua missão de voz dos que não tinham voz. Dignificou, ilustrou e enriqueceu a advocacia. Prestigiou e fortaleceu a mais árdua e bela das tribunas dos pretórios: A de Defesa. Preservou e opulentou o patrimônio dos nossos princípios sagrados. Sonhou, lutou e sofreu para reduzir entre nós a área dos batidos da fortuna, das vitimas do arbítrio irresponsável, apaziguando o espírito revoltado dos órfãos da Justiça, com o advento da alvorada da sentença absolutória sempre luz distante e tardia.
Outro assim – para parodiar o Vate andaluz – tardará muito em nascer...
Diante do vulto de Sidney Safe, que a morte transfigura e ilumina com os clarões da imortalidade, elevando–o aos páramos onde se encontram os espíritos protetores da Nacionalidade, outras palavras não encontro para sintetizar este vazio que sua ausência provocou, senão aquelas que o gênio de Shakespeare, na mais famosa de suas tragédias políticas, colocou nos lábios de Marco Antônio, ao contemplar o cadáver mutilado Brutus:
“Dos nobres era o mais nobre. A sua vida era pura. Os elementos que compunham o seu ser de tal forma nele se conjugavam, que a natureza inteira poderá levantar-se e bradar ao universo: “Aqui está um Homem!!!”