Anelito de Oliveira *
A participação de intelectuais, acadêmicos e “técnicos” em espaço de poder público sempre foi assunto polêmico. No passado que vai ficando mais remoto – até meados dos anos 1980 -, a polêmica não costumava se estabelecer durante um determinado mandato, ficava para depois, quando o rei já se achava “posto” – e “morto”. Com a chamada “abertura democrática” no Brasil, América Latina e tantos outros países historicamente marcados por regimes totalitaristas, o questionamento da legitimidade (porque é disso que se trata, no fundo) da presença de intelectuais no poder público, sempre resvalando para a polêmica, tornou-se frequente. A democracia, tendo como traço identitário o direito à expressão, constitui, ao mesmo tempo, estímulo e justificativa para quaisquer questionamentos: questiona-se porque se tem liberdade de expressão; questiona-se porque questionar faz parte da razão democrática.
Recentemente, os leitores deste “O Norte de Minas”, tomamos conhecimento, através de entrevista concedida a Samuel Nunes, do questionamento, por alguns vereadores, da legitimidade da presença, no poder público municipal, do Professor José Geraldo de Freitas Drumond, médico, ex-Reitor da Unimontes e ex-Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Para alguns vereadores, a Secretaria Municipal de Saúde deveria ser dirigida por um “político”, não por um “acadêmico”, e o Professor seria responsável, ao final das contas, pelo “caos” na área de saúde em Montes Claros no momento. Entendimento superficial, apressado e, sobretudo, interessado, ao qual políticos profissionais têm direito, sem dúvida, mas que não pode ser ouvido e esquecido por todos, já que, na realidade, é bastante perigoso.
O Professor Drumond é o profissional certo no lugar certo e na hora certa, e não constitui nenhum favor este reconhecimento, que julgo necessário enunciar aqui apenas porque ainda continuamos, lamentavelmente, no país do “pouco caso” por aqueles que mais fazem. O fato é que outros poderiam, neste momento, encaminhar ações diferentes no âmbito de uma área tão complexa como a saúde – cada um, que tem valor profissional, tem seu estilo -, mas não ações melhores, talvez até piores: um “político”, por exemplo, poderia encaminhar ações meramente discursivas, articuladas mais com o propósito de iludir a população dependente da saúde pública municipal, incorrendo em simplificações de problemas que, como o sabem os que têm bom senso, são gigantescos, extravasam os limites municipais, e precisam ser enfrentados adequadamente.
Qualquer diagnóstico terminal que se faça, neste fim de primeiro semestre de uma gestão, sobre a atuação do Professor Drumond à frente da Secretaria Municipal de Saúde corre o risco de ser leviano. E o que nos permite entender assim é exatamente o seu afortunado “curriculum”, no qual se ressalta a maior obra sociocultural da história do Norte de Minas Gerais: a Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Esta obra, que inegavelmente é notável em termos de gestão pública, não existiria sem o empenho, a abnegação, a luta de homens como o Professor Drumond, o professor Paulo César Gonçalves de Almeida, atual Reitor da instituição, e mulheres, como a Professora Tânia Fialho e a Professora Marileia de Souza, atualmente à frente da Secretaria Municipal de Educação, além de tantos outros professores, técnicos, pesquisadores. É preciso que haja reconhecimento do significado real do trabalho desenvolvido por esses acadêmicos, a começar pelos “homens públicos” que representam a população.
Quando, a exemplo do que vem acontecendo pelo país afora, vereadores da atual legislatura montes-clarense, que positivamente se distingue por um perfil “mais humilde”, colocam sob suspeita a competência do professor Drummond para dirigir a Secretaria Municipal de Saúde, o perigo maior, que precisamos perceber, é a desclassificação do saber acadêmico, de tal forma que os milhares de estudantes universitários da região, que hoje lotam a Unimontes e inúmeras faculdades privadas, comecem a se desinteressar pela formação de que estão se imbuindo. Ora, se estão se formando, se estão se entregando ao “sofrimento” que implica fazer uma graduação ou uma pós-graduação, é porque precisam trabalhar, não apenas porque querem ter diploma, “status” etc, querem ser úteis à sociedade tanto quanto querem “subir” na vida.
A administração pública brasileira, em todas as suas instâncias, deve absorver, orgulhosamente, os “acadêmicos” em formação e os formados, deve se abrir, em muitos casos, como espaço prioritário para sua atuação, como sempre aconteceu e continua acontecendo no primeiro mundo – por sinal, o atual presidente norteamericano emergiu do meio acadêmico, da Faculdade de Direito de Harvard. Nada mais “terceiromundista” que o antagonismo, em que tantos ainda insistem, entre universidade e sociedade, poder acadêmico e poder público, teoria e prática etc. Não só em função da dimensão técnica, conceitual, de uma formação acadêmica, mas em função, sobretudo, do horizonte ético que fundamenta, num plano ideal, essa formação, os acadêmicos são imprescindíveis para a excelência da gestão pública no Brasil atual. O Professor Drumond é um grande exemplo.
* Anelito de Oliveira é doutor em Letras pela USP, mestre na mesma área pela UFMG, ex-Superintendente de Publicações de Minas Gerais (1999/2003), Presidente do Instituto de Desenvolvimento Humano Daghobé (IDHD), professor e pesquisador dos programas de mestrado em Desenvolvimento Social e Estudos Literários da Unimontes. Email: anelitodeoliveira@gmail.com.