Eduardo Lima *
Ando pela cidade como se a lhe apalpar, inquirindo as delicadezas. A cidade fala comigo, fala com qualquer um; uma cidade tem vocação inata para comunicar-se. Esta, pois, fala sobre descaso. As ruas sujas. Os passeios mal cuidados, casas empoeiradas, sinalização apagada e poluição, especialmente visual. Não há regras e assim nada se cumpre. Pintam aqui e acolá, dependuram coisas, sujam os muros. Há uma desordem colombiana.
Restam os recados no espaço infrutífero dos postes, as faixas de celebração e apelo. Cumprimentos pela volta da Nova Zelândia e da Austrália – está na moda - entusiasmo por vestibulares vencidos nas escolas pagas e desaparecimentos, incontáveis. De cachorros. Um poodle toy, um yorkshire fofinho, um akita fêmea, o pastor hipertenso, o pé duro, todos estimados, amados demais. “Contem-me sobre o meu cãozinho. Meu coração é um aguaceiro só, tenham dó”. E mais um mar de lamúrias, incluindo gatos pingados. Siameses e persas.
A cidade ali, panfletária e suja, marcada por frívolas manifestações de afeto que - embora seja louvável e necessário amar os bichos - não incluem humanos. Em nenhum lugar, num trajeto relativamente longo li, numa faixa sequer, que se procurasse fulano. Não há pessoas desaparecidas? Há muitas, inúmeras, tantas quantas nem sabemos dizer.
Tenho experiência no assunto e lhes digo, por ciência, que há desaparecidos a mancheia, gente que sai e some. Maridos, namorados, irmãos. Mulheres, namoradas, irmãs. Uns voltam, outros nunca mais. Escondem-se do mundo, não querem ser encontrados. Nas repartições do Estado confirma-se a estatística e sabe-se que, contrariamente ao que se pensa, maioria dos desaparecidos quer desaparecer.
Some para fugir de alguma coisa, afastar-se de casa, da vida que leva, dos próximos, da mentira em que vive. Ou por surto, desassistido de clarividência, para vagar em alívio. São assim, é sabido, os que moram na rua, fugitivos de si mesmos, gente comum, com lastro e família. Há quem recorra, também, à hipótese da abdução, do rapto para as estrelas.
Tenho um amigo que desenvolve esta teoria com quase graduação e assegura: muitos desaparecidos foram parar noutra estrela, raptados por serafins e demais seres extraterrenos, para experiências de gozo e morte. Mas isso é assunto para outra crônica ou até livros inteiros. Certo é que não se procuram pessoas nas faixas silenciosas no vago das ruas; pode não se encontrar. Sem contar que muitas delas são, até por comodidade, substituíveis.
Já bichos são dóceis e fazem falta ao exercício da dominação. Pelo volume de faixas com declarações de amor aos animais poluindo a cidade, sujando a paisagem, pode-se deduzir que vivemos numa grande toca ou numa casinha, num poleiro ou numa almofada no sofá. Mas nem por isso devemos admitir tanto desdém. Afinal a cidade dos bichos é, também, a cidade dos homens.