Antonio Augusto Souto
- Você conhece Antônio Hermírio de Morais?
Deu vontade de responder que sim. Era amicíssimo, telefonava todo fim de tarde, para falar amenidades e saber da minha saúde. Achei melhor manter a calma:
- Ele é figura notória, aparece muito na mídia e é “o cara” da Votorantim.
- Notório não! Nem fazedor de média! Ele é o homem mais honesto do Brasil, ao lado de Sílvio Santos! Mas me diga uma coisa: que que é mesmo votorantim?
Problema de linguagem. Escolhi o registro menos adequado. Não avaliei convenientemente as possibilidades do receptor da mensagem.
Ocorreu-me dizer-lhe que Votorantim era nome de sorveteria ou de farmácia. Deixei pra lá. Mas perguntei-lhe o que talvez não devesse:
- Você lê jornais?
- Não, doutor. Ler pra quê? A televisão dá tudo quanto é notícia! O que dá na televisão, à noite, só vai aparecer nos jornais no dia seguinte.
O cidadão, meu conhecido de muito tempo, procurou-me no escritório. Queria que eu redigisse, para ele assinar, carta a Antônio Hermírio de Morais, pedindo-lhe que se candidatasse a presidente, nas próximas eleições. Ele era a única pessoa capaz de salvar o Brasil. Sílvio Santos já podia ter sido presidente, mas o Collor não deixou. Quanto ao meu trabalho de redigir e digitar a carta, ele pagaria, desde que o preço fosse camarada.
Minha resposta foi que não sabia redigir cartas. Por outro lado, não acreditava que o Brasil estivesse precisando de salvamento e, principalmente, de salvador. Esta última parte, leitora, ficou apenas no pensamento achei melhor não verbalizá-la. Se o fizesse, provocaria discussão que, definitivamente, não era do meu interesse.
Ainda uma vez, a mensagem deixou de ser integralmente entendida. Tanto que meu visitante estranhou o fato de um advogado não saber escrever uma simples cartinha.
O fato trouxe-me à lembrança outro exemplo de emissão de mensagem sem que se levasse em conta o registro da linguagem e sua necessária adequação ao nível cultural do decodificador. No forum e não faz muito, colega mostrou-me, em busca de elogio, texto que leria, na qualidade de assistente de acusação e na sessão do tribunal do júri que se iniciaria em alguns minutos. Li. Depois, disse-lhe, com sincera intenção laudatória, que a peça era uma autêntica catilinária.
Ele não gostou do que ouviu. Isso ficou claríssimo, no semblante e no silêncio. Fiquei sem jeito de explicar-lhe que catilinária era nome de cada uma das três peças acusatórias de Cícero contra Catilina.
Na hora, arrependi-me de ter falado daquele jeito. Talvez devesse ter dito apenas que o texto era ótimo e pronunciado, pausadamente, a palavrinha parabéns, em tom exclamativo.
Aliás, esse é o teor da decisão que tomei, a partir do episódio: sempre que alguém me procurar para mostrar texto seu, vou dizer que é ótimo e dar parabéns.
Essa atitude, no entanto, não vale para alguns poucos e queridos amigos que têm o costume de trazer-me seus escritos, para avaliação crítica. Com eles, vou continuar sendo sincero.