PRIVATIZAR OU ADMINISTRAR O LIXO?

Jornal O Norte
Publicado em 17/06/2010 às 10:57.Atualizado em 15/11/2021 às 06:30.

Valmore Souza


Sociólogo e sanitarista



Tal como a falta d‘água potável, do ar  e  de fontes de energias limpas e renováveis, o lixo nos grandes  centros urbanos de alguns países já foi  um dos maiores problemas sanitário, social e econômico, que mobilizou as consciências mais lúcidas do mundo. Hoje é uma solução como fonte de renda e de energias térmica e elétrica para a matriz energética limpa de um mundo sadio.  No caso do Brasil,  é ele(o lixo) o maior desafio, e não os outros elementos,  tendo em vista que 40% dos chamados resíduos sólidos coletados nos municípios não têm  destinação adequada. E as conseqüências são seriíssimas, também  como fontes geradoras de contaminação ambiental e de gases de efeito estufa, e, no imediato, de problemas de saúde para nós.



Sendo um problema com tamanhas repercussões sobre o nosso mundo biológico, social e físico, o desafio em encontrar soluções não deve se restringir aos especialistas, aos profissionais da política, ou a um prefeito municipal, como vem sendo tratado na cidade de Montes Claros nos últimos vinte e cinco anos.



O serviço público da limpeza sempre foi conduzido de forma tradicional, à revelia da coletividade, onde os prefeitos improvisaram, paliaram, e tentaram transferi-lo para o setor privado, passando assim adiante a responsabilidade pela solução. E  foi este fato, de  excluírem  a participação da comunidade e subestimarem  o conhecimento acumulado nela acerca da questão do lixo, o responsável por  não conseguirem  fazer mais do que o trivial na limpeza urbana. A varrição é insuficiente, a destinação dos resíduos é inadequada, não há tratamento, nem aproveitamento racional do lixo, embora  a Prefeitura conte com  expressiva  estrutura instalada na área, com frota de veículos, equipamentos e centenas  de servidores e funcionários para executarem   a varrição, e com a terceirização da coleta e da  destinação do lixo para a  ESURB- empresa pública controlada pela própria Prefeitura. Mas esta estrutura está parcialmente sucatiada por problema de gestão.



E a prova disto é que caiu como um raio em céu azul, neste fim de 2009, a posição na imprensa do Prefeito Luiz Tadeu Leite de que o objetivo da  privatização da limpeza pública é a economia de recursos( 300mil mensais) e a qualidade do serviço, afirmando que “O mais importante é que, na iniciativa privada além de ficar mais fácil a fiscalização, o serviço ganha mais eficiência.” Afirmação que ele cuidou de fazer somente depois de ter promovido a concorrência, tão sem alarde, que nem os vereadores souberam que já tem até empresa vencedora, para cuidar do  lixo, cujo contrato por cinco anos com a Prefeitura é de 126 milhões.Tudo isto é discutível, porque há objeções legais, sociais e morais a esta proposta de terceirização da  atividade-fim  da Prefeitura.



Contudo, caso venha ser homologado esse contrato de cifra astronômica, Montes Claros abdica da solução dos resíduos sólidos, para sustentar um luxo privado. Alienará  a experiência, particularmente com as tecnologias, desenvolvida durante o curso histórico da relação dos trabalhadores  com o tratamento do lixo. E  perderemos a oportunidade de outros  municípios do mesmo porte, até de  países com menos condições do que o nosso, onde o lixo é  tratado de forma  racional, e não é mais problema, porque, de forma democrática,   incorporaram na cultura a coleta seletiva, a coleta mecânica e a coleta energética, que ocupam a mão de obra de catadores,  recicladores, técnicos em usinas térmicas e elétricas e gestores públicos. Por que privatizar o lixo se podemos administrar  esta solução para geração de renda, de  energia limpa e de inteligência ecológica?

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