Mara Narciso
Jornalista e médica
A praça em frente à Santa Casa está de roupa nova, fato que atraiu a atenção de fotógrafos e cinegrafistas. Essa praça viu acontecer a história da Santa Casa, assistiu doentes e parturientes passando e também presenciou os passos ágeis de Wilhelmina Lauwen, Irmã Maria Beatrix ou simplesmente Irmã Beata. Baixa, forte, de faces rosadas quase totalmente cobertas pela touca, de olhos azuis, com seu hábito preto de muitos panos, que a cobria da cabeça aos pés, e com a sua maleta de parteira, onde levava tesoura, ataduras, vidros com iodo e álcool e demais objetos, riscava toda a cidade prestando serviços.
Nascida em Etten, na Holanda, em 29 de janeiro de 1879, a freira, que faleceu em 1952, após uma cirurgia de vesícula em Belo Horizonte, veio de navio, dirigindo-se para Minas de trem, e chegando a Montes Claros a cavalo. A data da sua chegada foi 1º de fevereiro de 1912, estando no Brasil desde dezembro do ano anterior. Pertencia a Congregação Irmãs do Sagrado Coração de Maria de Berlaar, e morava no hospital. Sorridente e amável, falava pouco, num Português enrolado e difícil, porém compreensível. Era uma figura diferente, firme e marcante, e costumava ter uma palavra de ânimo para as pessoas, dando assistência e carinho a todos, especialmente aos mais pobres. Foi incansável, fazendo partos no hospital e também nas casas. Chegava, perguntava os nomes das crianças, abençoava cada uma e ia fazer o seu serviço. Os meninos achavam que ela era um anjo, uma santa, envolta na sua roupa negra e misteriosa.
Quando a mulher achava que já estava na hora do parto, a Irmã Beata era chamada, e vinha correndo da Santa Casa. Pedia uma chaleira com água fervendo, uma bacia e uma toalha, esterilizando tudo. Como a criança já estava nascendo, os meninos eram afastados, sendo levados para o quintal. Não podiam fazer barulho e nem perguntar nada. Não se ouvia nenhum choro, ou grito, e nem se via marcas de sangue. O pai ficava no quarto assistindo. Quando a criança já estava lavada e arrumada - uma trouxa de roupas sujas já tinha deixado o quarto-, o pai chamava os irmãos e mostrava o novo membro da família.
Terminado o parto, um ritual muito cerimonioso, coisa só de gente grande, a Irmã Beata ia embora, mas voltava para curar o umbigo do recém-nascido. Os partos eram algo escondido e secreto. No hospital poderia ter sala de parto, mas era muito fechado, e não se via nada. As mulheres ficavam uma semana no hospital, até poderem cuidar da criança, e nesse período a freira passava a noite cuidando do recém-nascido para deixar a mãe descansar.
Irmã Beata era esperta no andar, num instante se deslocava, sendo rápida e dinâmica. Diziam que era brava, mas outros não têm dela essa imagem. Não era vista brigando. Era enérgica, sem ser grosseira. Não tinha vida própria e a sua existência era só para servir. Consta que não gostava de atender pessoas “caídas em pecado”. Havia uma distância entre as pessoas e as freiras, que faziam votos de pobreza, castidade e renúncia, até de si própria, inclusive com mudança de nome. Eram atitudes de completo desprendimento.
A religiosa inspirava calma e segurança, atuava como conselheira de casais, indicava livros, ensinava como educar as crianças, orientava sobre a alimentação e cuidados com a saúde e higiene. Crianças prematuras foram salvas graças aos conhecimentos da Irmã Beata, que montava um ninho de algodão, mandava colocar um fogareiro no quarto para aquecer e facilitar a respiração. Caso de varíola não se alastrou devido ao isolamento montando pela Irmã Beata. Quando ganhava frutas de presente, não era vista comendo. Cedia para outros, pois era pura bondade. As pessoas criadas por ela eram mansas e gostavam dela. Dizem que Irmã Beata os colocava para trabalhar, mas ela trabalhava junto, ensinando e ajudando. Não dava ordens, e não explorava os meninos que criou, pois ensinava, dando exemplo.
Cuidava dos doentes, lavava roupas em enormes caldeiras quentíssimas, cozinhava, desinfetava, fazia hóstias, cuidava da igreja, fazia de tudo. O serviço não terminava e parecia não dormir.
Quando era perguntada sobre de onde veio, ela dizia: “D’além mar”, e mais nada. Nas suas conversas, nunca mencionava parentes na Holanda e nunca falou a palavra saudade. Deitava-se no chão em sacrifício, na verdade era uma entrega, um despojamento, uma negação da individualidade.
Havia outras freiras, mas a firmeza de Irmã Beata a destacava das outras, que tinham menos brilho. Ela chamava a atenção por trabalhar muito, e pelo carisma. Transmitia calma, e isso tranquilizava, sendo mais um dote na sua bondade.
Santa para alguns, humana para outros, o centenário da chegada de Irmã Beata em Montes Claros precisa ser comemorado. A reinauguração da praça é um começo. O artista plástico e médico Konstantin Christoff, que conviveu com a freira, esculpiu um busto de Irmã Beata que está nessa praça. E embora alguns repórteres e pessoas comuns a chamem de Irmã Beata, o nome dela é Honorato Alves. Uma escola no Jardim Brasil e a rua atrás do hospital é que se chamam Irmã Beata, merecedora de todas as nossas homenagens.
– Texto baseado em depoimentos de Maria Josefina Narciso Mendonça, Ruth Tupinambá, Maria de Jesus Felícia Mota e Maria Eunice Leite – 08 de julho de 2010