Erom Roberto Coelho Souto *
Está em Paulinho da Viola a máxima que diz: As coisas estão no mundo, eu é que preciso aprender...
Há dias li um artigo do nobre e renomado professor de geografia Magnus Medeiros. Nele, aquele cientista externa sua posição quanto ao tema já gasto que se refere a condição de doutor que muitos, até por tradição em nosso país, buscam ostentar.
Aquele ilustre professor aposentado, hoje cronista social montes-clarense, assim não trouxe ao seu leitor informação de primeira mão, pois todos sabemos que doutor no Brasil e fora dele é, em termos acadêmicos aquele que concluiu com mérito o curso de doutorado em universidade reconhecida no Brasil ou internacionalmente.
A tradição desmente, data venia, o renomado cronista que atribui a condição de doutor, acreditada pela tradição, somente aos médicos, o que em verdade, não corresponde a verdade perfeita e acabada construída pela tradição, pois esta, desde os tempos coloniais atribui a condição de doutor acima de tudo ao bacharel em direito que naquela época, em terras colonizadas, advinham da Universidade de Coimbra.
Aquele que esgotou o assunto em pauta, caros leitores, caro professor, foi o Dr. Júlio Candelin, que publicou notável estudo sobre o tema no Jornal do Advogado em junho de 1992, cujo artigo na íntegra, tomamos a liberdade de transcrever:
DOCTORES UTRUISQUE JURIS ADVOGADO: DOUTOR POR DIREITO E TRADIÇÃO
Por insistência de colegas, publicamos este despretensioso artigo, elaborado há 12 anos e que foi publicado pela imprensa e algumas revistas, causando polêmica entre outros profissionais liberais, principalmente entre médicos, que sistematicamente se intitulam “doutores”, quando na verdade o uso da honraria pertence por direito e também por tradição aos advogados, salvo raras exceções.
Comecemos pela tradição, que é também fonte de Direito, para demonstrar que a verdade está a nosso lado, sem querer ferir suscetibilidades dos outros colegas liberais, mas com o intuito de reivindicar aquilo que nos pertence e que nos vem sendo usurpado por “usucapião”, através de “posse violenta”, no dizer de um saudoso companheiro.
Embora fôssemos encontrar o registro da palavra DOUTOR em um Canon do ano 390 citado por MARCEL ANCYRAN, editado no Concílio de Saragosso, pelo qual se proibia declinar dessa qualidade sem permissão (Code de L’Humanité, ed. 1778 – Verdon – Biblioteca da OAB – Campinas), o certo é que somente em Roma se outorgou pela primeira vez esse título aos filósofos – DOCTORES SAPIENTIAE – e aqueles que promoviam conferências públicas sobre temas filosóficos, quase sempre os juristas, assim, também eram chamados DOUTORES, os advogados e juristas aos quais se atribuía o JUS RESPONDENDI.
Já no século XII, se tem notícia do uso da honraria, atribuídos a grandes filósofos como Santo Tomás de Aquino, Duns Scott, Rogério Bacin e São Boaventura, cognominados de Angélico, Sutil, Maravilhoso e Seráfico, respectivamente. Pelas universidades, o título só foi outorgado pela primeira vez a um advogado, que passou a ostentar o título de Doctor Legum em Bolonha, ao lado dos doctores ex loix, somente dado àqueles versados na ciência do Direito. Tempos depois a Universidade de Paris passou a conceder a honraria somente aos diplomados em Direito, chamando-os de doctores canonum et decretacium. Eram estudiosos do Direito, e quando ocorreu a fusão deste com o Direito Canônico, passaram a chamar os diplomados de doctores utruisque juris.
Percebe-se daí que, pelas suas origens, o título de Doutor é honraria legítima e originária dos advogados ou juristas e não de qualquer outra profissão. Os próprios Juízes, uns duzentos anos mais tarde, protestaram (eles também recebiam o título de Doutor tanto das Faculdades Jurídicas como das de Teologia) contra os médicos que na época se apoderavam do título, reservado aos homens que cultivavam as ciências do espírito, à frente das quais cintila o Direito! Não é sem razão de ser a Bíblia - filha da sabedoria – refere-se aos Doutores da Lei referindo-se aos jurisconsultos que interpretavam a Lei de Moisés, e Phisicum aos curandeiros e médicos da época, antes de usucapido o nosso título.
Sendo esta honraria autêntica por tradição dos Advogados e Juristas, entendemos que a mesma só poderia ser estendida aos diplomados por Escola Superior, após a deles – a tese doutoral. Agora, o Bacharel em Direito, que efetivamente milita e exerce a profissão de Advogado, por direito lhe é atribuída a qualidade de Doutor. Senão, vejamos: o Dicionário de Tecnologia Jurídica de Pedro Nunes coloca muito bem a matéria. Eis o verbete: Bacharel em Direito – Primeiro grau acadêmico, conferido a quem se forme numa Faculdade de Direito. O portador deste título, que exerce o ofício de advogado, goza de privilégio de Doutor. Para os que gostam de pesquisar, citamos as fontes desta definição: (Trindade, pág. 157, nota in fine, a página 529.127. Aux. Jul. pág. 355 Ass 93).
O decano dos advogados de Campinas – Dr. João Ribeiro Nogueira – estimado amigo, pesquisador incansável, lembra muito bem em artigo publicado no “Correio Popular” de 03 de agosto de 1971, um alvará régio editado por D. Maria I, a Pia, de Portugal, pelo qual os bacharéis em Direito passaram a ter o direito ao tratamento de doutores. Ora, todos sabem que uma lei só perde a vigência quando revogada por outra lei. Assim, está plenamente em vigor no Brasil esse alvará que outorgou o título doutor aos advogados! Não consta nesse alvará legal, que tenha sido estendido a nenhuma outra profissão! E tanto isso é verdade, que à época, um rábula, de notável saber jurídico e grande honorabilidade, obteve também a honraria por exercer a profissão, mas foi necessário um alvará régio especial, sendo doutorado por decreto legislativo, pois não era advogado diplomado em Faculdade de Direito. Foi o caso do rábula Antônio Pereira Rebouças...
A lei está em vigor, assim como tantas outras da época do império, que não foram revogadas, como nosso Código Comercial de 1850.
Por tradição e por Direito, somos Doutores. E não poderia ser também de outra forma, uma vez que, exercendo a profissão de Advogado, o bacharel em Direito está constantemente defendendo teses perante Juízes e Tribunais, que, julgando procedentes suas razões, estarão de um modo ou de outro aprovando suas teses, sobre os mais variados ramos do Direito. E o que dizer do advogado perante o Tribunal do Júri, Tribunais Superiores, Auditorias? Não sustenta diária e publicamente suas teses?
O professor Flamínio Fávero, por sua vez, eminente médico que ostentava mais de 50 títulos, manifestando-se certa vez sobre o assunto, repudiou o uso indiscriminado do título doutoral, por qualquer profissional, dizendo que “a lei não permite isso, nem a ética”, referindo-se especialmente aos esculápios que pretendem até “monopolizar o título dos causídicos”.
É tal a inversão e a investida dos médicos sobre o nosso título, que nos Estados Unidos chega-se a dizer para freqüência :”I am a doctor, not a lawyer”, quando em verdade, este último é doutor... A Enciclopédia Americana, também, registra o fato de terem sido os advogados os primeiros doutores, mas em pequenos dicionários vamos encontrar a definição de “doctor” como sendo “médico” para a língua portuguesa.
Muitos colegas não têm o hábito de antepor ao próprio nome em seus cartões e impressos, o título de Doutor, quando em verdade, devem fazê-lo porque a História nos ensina que somos os donos de tal título, por direito e por tradição, e está chegando a hora de reivindicarmos o que é nosso: este título constitui adorno por excelência da classe advocatícia!
Dr. Júlio Candelin
Nota: Nada, absolutamente nada, tenho contra a laboriosa classe médica. Apenas procurei evidenciar o que a lei e a tradição revelam, sem quebra de ética em nossa conduta. Serve entretanto este articulado, de endereço certo aos que por ignorância ou má fé teimam em não se curvar à evidência dos fatos...
(Transcrito da Tribuna do Advogado - JORNAL DO ADVOGADO – Junho/92.
Portanto caros leitores, ilustre professor, em “aprendendo”, querendo restringir a pesquisa, basta consultar os Livros Sagrados da Humanidade – estes sim, filhos da sabedoria -, que encontraremos a palavra Doutor referindo-se única e exclusivamente aos jurisconsultos ou seja, aqueles que interpretavam e aplicavam as Leis.
* Advogado pós-graduado, ex-seminarista e ex-estudante de medicina