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Sexta-Feira,10 de Janeiro

Pode um trem desse?

Jornal O Norte
Publicado em 21/09/2010 às 10:50.Atualizado em 15/11/2021 às 06:39.

José Wilson Santos


zewilsonsantos@hotmail.com



Ninguém merece ser atendido por um profissional que não porte as ferramentas necessárias ao exercício do ofício.



E caras sem ferramentas viraram uma epidemia. Culpa do 'boom' da construção civil, que quintuplicou por dez a procura, quase zerando a oferta de mão-de-obra profissional no mercado. 



Orra, meu, é um problemão daqueles fazer pequenos reparos no chatô. Restaram os meia colher, que adquiriram status de profissas renomados, torcendo o nariz para serviços de pequena monta. Só faltam exigir prévio agendamento da visita. E cobrar por ela.



Quando dão o ar da graça, os caras olham pra gente com o desdém dos superiores, se comportando como se nos fizessem um favor tão grande quanto tirar a mãe da forca.



Como o meio bombeiro que me acudiu numa emergência, dia desses, para retirar, limpar e regular a bóia, devolvendo a água à caixa do Degas aqui, que estava vencido depois de dois dias sem os banhozinhos de praxe, por causa do desabastecimento.



Que ele fez o serviço, lá isso fez. Mas que passei raiva pra dedéu, lá isso passei. E morri em quarentão por 20 minutinhos de trabalho. Tô injuriado até hoje, e de olho na grade de cursos gratuitos do Psiu. Quando tiver um de bombeiro hidráulico, tô dentro.



Pra começar, o bombas chegou de mãos abanando e fez cara de quem não gostou, ao deparar com os dois pavimentos do chatô. Dei meu pitaco sobre o que eventualmente estaria causando o problema e ele aquiesceu, me olhando dos pés à cabeça, como se quisesse dizer que eu estava fazendo suposições sobre o que não manjava. 



- É, a caixa tá no segundo andar...



- É...



- Caixa no segundo andar fica mais caro pra arrumar. É perigoso. Terei que andar sobre o telhado...



- Mais caro é quanto?



- Vou fazer sessenta pro senhor...



- Tá doido? Fala sério, meu! Isso é preço de consulta médica...



- Bom, o senhor pode chamar o médico pra consertar. Eu não me importo.



Meia hora depois de réplicas e tréplicas, ficou por quarentão. Assim mesmo porque eu comecei a chamá-lo de doutor e amansei a fera.



- O senhor tem escada?



- Por que diabos eu teria uma escada desse tamanhão?



- Sei lá. A casa é do senhor, a caixa é do senhor, o problema é do senhor. Então, o senhor deveria ter uma escada.



- Uai, sô. Quem deve ter a escada é o bombeiro. O senhor não é bombeiro?



- Não. Sou ajudante de servente de pedreiro. Mas sei fazer o serviço, desde que o senhor arranje a escada.



Arranjei uma com uma vizinha e outra com outro vizinho, para as duas darem na altura. E o cara lá, paradão da silva.



- O senhor não vai pegar as escadas não? - perguntei.



- Pra pegar elas cobro mais cinco por cada uma. O senhor chamou pra consertar a bóia, não pra pegar escadas.



Peguei e amarrei uma na outra, com corrente e cadeado, conforme as instruções do profissa. E ainda tive que ajudar a colocar a bicha em pé, encostada na parede.



- Agora, o senhor me arranja alicate, chave de fenda, martelo e um pedaço de arame cozido. E firme a escada, porque se não segurar bem não subo não.



Bom, o doutor bombeiro subiu e levou no máximo 20 minutinhos pra me ganhar os quarentão, o que deu algo em torno de dois reais por minuto. E pra fechar com chave de ouro, depois de desmontadas as escadas e devolvidas aos proprietários, o cara me sai com essa:



- A caixa do senhor tá meio suja. Tem muito calcário. É bom dar uma limpeza, porque senão pode dar problema no encanamento.



Pode um trem desse?

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