PELO PRAZER DE FALAR MAL

Jornal O Norte
Publicado em 28/01/2008 às 10:15.Atualizado em 15/11/2021 às 07:23.

Wilson Figueiredo


Jornalista



Certo jeito de Lula pela altura do fim de ano pode não ter sido espontâneo, mas teve charme. Faltou convicção, embora tenha caído bem no presidente já afeiçoado ao paletó e à gravata. Falou com mais naturalidade sua porção discretamente neoliberal. Passou a oportunidade de atiçar pobres contra ricos, que nem se abalam mais. O presidente fechou o ano com sobriedade em relação a tributos e começou outro convencido de que a crise que se esboça lá fora poderá ser a oportunidade pela qual o Brasil esperava. À oposição e adjacências avisou que não iria chover no molhado, isto é, criar ou aumentar impostos.



Fim de ano nunca é mais do que se viu o ano todo. Em compensação, Fernando Henrique se descolou do nicho histórico onde se empoleiram ex-presidentes e quis agradar quando disse que Lula estava mais perto dele do que do PT. Perto é pouco: ultrapassou-o do ponto de vista da economia, não há dúvida. Mesmo não sendo ironia, não agradou ao PT, que refuga a troca do socialismo (como o conhecemos) pelo neoliberalismo de ocasião e nunca vestirá a camisa da social democracia, nem para provar.



Realmente, Lula marcou passo no melhor ângulo perverso da globalização, pela qual o governo do PT vem sendo até mais bem sucedido do que o PSDB no de seu antecessor, principalmente do ponto de vista da social-democracia, por fora dos partidos.



Nunca, nem com Getúlio Vargas, o Brasil foi governado com o olho esquerdo no foco social e o direito na democracia.



Para quem há muito não acertava alvo político, foi uma façanha de Fernando Henrique fazer elogio ao governo do sucessor. Em entrevista ao Estadão, o ex-presidente recomendou ao PSDB empunhar a bandeira da educação para revolucionar — obviamente no bom sentido — o Brasil nos próximos anos. O verbo está anacrônico. Revolução é matéria fora da agenda. Nem de muda pegaria no Brasil, e sementes históricas não caem do céu.



O prazer de falar mal de Lula pelo avesso, isto é, elogiando-o, faz Fernando Henrique sentir-se autorizado a enquadrar o sucessor no papel de alter-ego. Saiu em socorro do presidente com a ressalva de que não se governa sem maioria. Pelo menos na democracia. Maioria parlamentar é dificílimo de se formar por meios desinteressados. Eticamente, impossível. A falta de votos em um sistema presidencialista de governo leva à alternativa de adquiri-los a critério flutuante de mercado. Lembra Fernando Henrique que a reforma política que bate à porta da democracia brasileira é muito mais do que o financiamento de campanha. Tudo entraria na negociação, inclusive a honra que vale muito, mas custo pouco.



“Lula fez uma porção de coisas”, reconheceu Fernando Henrique com a elegância de não recorrer à fórmula oficial de enunciar, segundo a qual nunca tantos pobres de nascença deveram tanto a uma fornada de ricos sem antecedentes de berço. Mesmo porque nunca a população em geral foi tão grande, nem menor a proporção dos pobres. Somos um país rico de estatísticas sobre a desigualdade social constante, que o novo ano não deixará de confirmar.



Fernando Henrique fez um buquê de otimismos e ofereceu aos brasileiros: o Brasil mudou de patamar, aprendemos a competir mas, no que diz respeito à cabeça de Lula, o antecessor afogou-a num elogio: “ficou tradicional, o que é pena”. Lula não é o primeiro que sai nem o último que entra por outra porta no novo ano, com outras camisas e outras idéias, pelo consenso universal segundo o qual só não troca umas e outras quem não tem mais de uma. O ex-presidente ressalvou-se com a confissão de que só “pensa estrategicamente” e delegou a Lula a sabedoria tática. É por isso que os dois acabaram social-democratas, não por opção mas por incapacidade de serem revolucionários. A saída pela tangente é ser social-democrata, que não significa apenas ter sido revolucionário, mas sentir-se democrata frustrado pela falta de condições para completar a democracia que não é lá essas coisas. O ano mal chegava ao fim e o outro já se apresentava sem sinais de que será diferente.

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