Pelo buraco que entra Tiririca, também entra Joãozinho... Ou: O ônus da democracia

Jornal O Norte
Publicado em 09/10/2010 às 10:06.Atualizado em 15/11/2021 às 06:41.

Alysson Luiz Freitas de Jesus


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Em tempo: Esse texto foi escrito dias antes das eleições de 3 de outubro de 2010, ou seja, sem levar em conta o resultado do pleito eleitoral. Sua intenção, nesse sentido, não é partidária ou manipulatória, e sim, de consciência, para o futuro... Ainda temos um futuro enorme para construir, e algum tempo para aprendermos com os nossos erros.



As eleições estão aí, à nossa frente, a poucos dias. Novamente o exercício da democracia se faz em sua plenitude, por meio das escolhas dos cidadãos. Reside aí o grande benefício da democracia: escolher. Nada melhor do que se ter a oportunidade de escolher as figuras políticas que possam nos representar, sobretudo diante dos inúmeros interesses do cidadão, como saúde, educação, segurança, cidadania.



O dia 3 de outubro, nesse sentido, poderia representar mais uma vitória política do cidadão brasileiro, especialmente depois de enfrentarmos décadas de regimes autoritários, limitadores de liberdades individuais e baseados em regimes de opressão. A grande tristeza do processo é que a democracia não se faz apenas das nossas escolhas, mas, também, das nossas opções. E nesse caso, sem sombra de dúvidas, estamos atrasados em séculos, presos ao nosso passado colonial.



É notável o envolvimento cada vez menor do cidadão com a vida política do país, resultado de uma descrença nas instituições políticas e nos próprios políticos, um grupo de “camaradas” que se protegem, se defendem e se imaculam, diante de tantas e tantas denúncias de corrupção. A política enquanto arte começa a pagar um preço alto, altíssimo, sob pena de ser encarada com desdém e de forma risível pela população.



Tiririca, o palhaço-político, ou seria melhor, o político-palhaço (?), é apenas um exemplo de todo esse processo. Sua forma risível, ridícula e transtornada de fazer política reflete apenas um procedimento político muito comum, onde a manipulação do eleitor se torna elemento imprescindível para a sustentação de tantos e tantos no poder. Há séculos mantemos no poder figuras políticas pouco envolvidas com a realidade social e com os interesses mais diretos da população. Quando esses políticos se sentem maiores e mais fortes, fabricam seus filhos e seus netos, no miraculoso processo brasileiro de transferência de votos. A mágica da transferência de votos...



Dessa forma, cria-se um círculo vicioso, passado de pai para filho... Um câncer político quase incurável. Com certeza você deve conhecer algum João, pai de Joãozinho, que se utiliza da máquina eleitoral para realizar a obra do paternalismo, a obra da filhadagem. Na Bahia, no Maranhão, no norte de Minas, em Montes Claros, sempre tem um Joãozinho à solta, que cai de pára-quedas na vida política, e que geralmente não se esborracha no chão. Não se esborracha porque lá embaixo está papai, de braços abertos, para amparar o filhinho querido, o futuro da renovação política brasileira. Será que o problema é realmente Tiririca? Será?



Tiririca, Kiko do KLB, Vampeta e Mulher Filé, ou Bife, sei lá, não têm currículos políticos desejáveis para exercer cargos políticos tão importantes. Isso é verdade. Realmente trata-se de um perigo enorme colocar nosso futuro enquanto povo nas mãos de pessoas despreparadas, sem condições de responder sequer um questionário sobre política, cidadania e democracia. O problema é que Joãozinho também não.



Geralmente Joãozinho é um jovem, dos seus 20 anos, sem experiência política e nenhum tipo de serviço prestado à sociedade. Joãozinho, coitado, geralmente teria uma dificuldade enorme em definir o conceito de poder em Maquiavel, ou mesmo em identificar as idéias de Estado presentes em Montesquieu. Pobre Joãozinho... Sozinho, despido de intelecto, acéfalo politicamente, nu, risivelmente nu, abraçado apenas ao seu pai, João, o homem do poder, que, se preciso fosse (e geralmente é), compraria até uma cidade inteira para o filho, para estampar a face triste e cruel do pobre Joãozinho...



Joãozinho é essa figura triste, sem graça, xerocada nos quatro cantos do Brasil, construída e manipulada pelo poder, manipulando as pessoas. Ele aparece de quatro em quatro anos, como a Copa do Mundo e o mosquito da dengue, sobrevoando e bicando um voto aqui e outro ali, sempre renovado, com uma lista de favores ainda maior, talvez para se perpetuar no poder. Pobre Joãozinho... O filho do pai, em nome do pai, nunca em nome do filho...



Pobre Joãozinho, pobre Tiririca, pobre de mim...



Pelo buraco que entra palhaços-políticos como Tiririca, o “abestado cidadão”, entra Vampeta, entra a mulher Rosbife, entra Joãozinho... Tantos e tantos “abestados”... Milhares e milhares de votos baseados na dependência e na manipulação, baseados na miséria e nas dificuldades sociais de tantas pessoas, obrigadas a engolir goela abaixo a fabricação de tantos e tantos filhinhos de papai espalhados por aí, brincando com as nossas vidas e com os nossos mais importantes desejos, manipulando os nossos destinos e os nossos direitos.



Pobre Joãozinho, pobre Tiririca, pobre de mim... Em nome do pai, do filho e... Seja feita a sua vontade, João! Amém!

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