Pássaros urbanos

Jornal O Norte
16/07/2009 às 09:48.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:04

Waldir de Pinho Veloso

Eu ando pela rua e, ao meu lado, pássaros buscam por grãos. Em locais mais próximos a casas especializadas em venda de animais e suas rações, há sempre rolinhas e pardais, buscando por sementes que caem das gaiolas. Estas se mostram cheias de algumas espécies de pássaros e, também, por gatos, cachorros ou pintinhos. E o convívio entre mim e os pássaros urbanos é pacífico. Muito pacífico.

Nos quintais urbanos, pardais – principalmente pardais – deixam as pessoas se aproximarem. O importante, para eles, é ter alimento farto. E a cidade o oferece. Pelo menos, para os voadores em assunto.

Quando eu era pequeno, morava na fazenda. E em meus sonhos – palavra tomada no sentido literal – não era incomum a vontade de pegar algum pássaro. Lembro-me de que, uma vez, sonhei que eu ia por uma estradinha e, sem muita explicação, estava muito próximo de uns passarinhos. Eu consegui pegar um e, com ela na mão, tentei um segundo. E foi fácil: fiz que iria em frente e, repentinamente, deixei o corpo cair para o lado direito exatamente quando estava ao lado de alguns pássaros que se ocupavam de abaixar e levantar a cabeça, pegando, com o bico certeiro, algum alimento no chão. E peguei mais um.

Por sinal, fora do âmbito do sonho, em criança, chamávamos as rolinhas – tipo de pássaro mais comum na fazenda – de galinhazinha de Nossa Senhora, embora devêssemos dizer “galinhinha”. Certamente, alguém nos ensinou que aquela pomba-rola era a ave preferida da Mãe de Jesus Cristo.

Nas fazendas, os pássaros são, por demais, arredios, espertos. Bravios. Têm medo das pessoas. Voam quando as pessoas se aproximam e, quando presos, empreendem todo o esforço para se ver longe do povo. Sabem, por instinto, da ruindade presente na espécie humana. Matar passarinho, até pouco tempo, era diversão. Não se tratava de alimentação: era a mentalidade reinante à época.

Há espécies de pássaros que preferem morar nos centros urbanos. Na cidade, os pássaros são acostumados com a presença e a proximidade das pessoas. Integram-se à paisagem urbana. Compõem os traços e a epiderme dos aglomerados. Em verdade, são os primos preguiçosos dos pássaros que vivem no campo. Os pássaros tipicamente urbanos são os pardais. Enquanto os demais pássaros vivem nas fazendas procurando pelo seu alimento, os pardais vivem na cidade, buscando sobras dos alimentos deixados pelos humanos.

E também há pessoas que são como os pardais, quanto à vontade de morar na cidade, sem estrutura para tal. E, sem a estrutura, exercem uma subvida, recebendo praticamente tudo de graça – e reclamando do que não recebem como esmola – o que utilizam em uma vida marcada pela ausência do que comer, vestir, habitar. Em síntese, uma vida sem vida, sem viço, sem força e sem, sequer, motivos para o viver.

Há outras espécies de pássaros que já deixam a região rural de suas origens para, sem objetivos concretos, morar na cidade. Por maiores que sejam as cidades, há sempre pombos e pardais em todo espaço. Há tempo, muito tempo, é assim. Mais recentemente, também as rolinhas estão descobrindo que morar na cidade não representa risco de morte deliberada. E recebem alimento graciosamente. Ainda que vivendo das migalhas que caem das fartas gaiolas dos pássaros à venda, as rolinhas, os pardais e os pombos estão vivendo no seio urbano. Querem ser importantes e exibir aos demais da espécie uma superioridade pelo simples fato de terem residência em um aglomerado urbano.

E eu ando pela rua e vejo que há pássaros buscando por alimentos. Exatamente ao meu lado. Eles não têm medo de mim, assim como não nutrem medo por outrem. Eu já não tenho vontade de pegar um deles em minhas mãos. E os meus sonhos são poucos porque durmo menos do que deveria dormir. E, quando eu sonho, os meus sonhos se mostram ocupados com outros eventos mais complicados do que querer pegar pássaros bravios.

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