Padre Cícero, poder, fé e guerra no sertão

Jornal O Norte
22/02/2010 às 09:05.
Atualizado em 15/11/2021 às 06:21

Felippe Prates

CRÍTICA DO LIVRO - Todos os anos, em média dois milhões e quinhentos mil peregrinos se deslocam até Juazeiro do Norte, a 520 quilometros de Fortaleza, para pagar promessas, acender velas e fazer pedidos a um padre desprezado pela Igreja Católica: “O padim pade Cíço”, como é conhecido pelo povo.  No centro dessa movimentação está uma das mais intrigantes figuras catalisadoras da fé popular no Brasil: Cícero Romão Batista, o padre Cícero, cujos supostos milagres são tabu nos círculos católicos há mais de um século, mas que hoje caminha para ser reabilitado pelo Vaticano.  Diante dos avanços das correntes evangélicas, a Santa Sé deposita nele a esperança de atrair novos devotos.

Neste momento, em que a vida e as façanhas do religioso passam por uma intensa pesquisa, a biografia “Padre Cícero – Poder, fé e guerra” de autoria do jornalista Lira Neto, editado pela Companhia das Letras, que recebemos para crítica, traz fatos inéditos e revela facetas desconhecidas do protagonista , com a sua atuação política e a relação com o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.  Nos caminhos da fé e da política, a biografia que será adaptada para o cinema, registra surpreendentes aspectos da personalidade do Padre Cícero.  A direção do filme foi confiada a Sérgio Machado, que dirigiu “Cidade Baixa”, com estréia prevista para o primeiro semestre de 2011.

Lira Neto faz uma aposta ousada sobre o futuro de Padre Cícero no Vaticano:

- A reabilitação do controvertido religioso, em Roma, é apenas o primeiro degrau para a sua canonização, diz o biógrafo, que dedicou mais de dez anos às pesquisas sobre a vida do padre.

Após ser proibido pelo Vaticano de exercer funções sacerdotais, escapando por muito pouco da excomunhão, Cícero encontrou na política o caminho para mostrar sua força.  O personagem eminentemente político que emerge da biografia é um novo Cícero,  diferente daquele que os devotos conhecem, capaz de fazer conchavos com as elites e de evitar que Juazeiro se transformasse em uma nova Canudos. Tendo sido banido pela Igreja Católica e perder todas as prerrogativas do sacerdócio religioso, Cícero se converte a um novo sacerdócio:  a política.  Um outro cidadão, inteiramente diferente do padre, se envolve com a luta armada que vai resultar na deposição do governador do Ceará!  Juazeiro foi atacada para ser destruida, sob a acusação de que ali se estava fermentando uma nova Canudos. Mas, Cícero soube se aliar com as elites e sobreviver a todos os seus adversários, explica Neto.  A nova biografia surpreende, também, por mostrar, em rítmo de um fraco“thriller”, o mistério que envolve os milagres de Juazeiro atribuidos a Cícero e à beata Maria de Araújo, que transformava em sangue a hóstia recebida das mãos do padre.

Jamais será possível comprovar se realmente esses milagres aconteceram pois, por ordem da Igreja, as supostas provas foram destruidas e os paninhos manchados de sangue usados para limpar os lábios de Maria de Araújo, irremediávelmente queimados.  E mesmo se tivessem sido preservados, seria impossível fazer uma comparação genética com os restos mortais da beata; a barbárie se estendeu até seu túmulo, violado em 1930 e o corpo desapareceu.

Porém, se a dúvida sobre os milagres permanece, a biografia traz à tona acontecimentos comprovados, como seja o encontro do padre com Lampião, em 1926, quando a Coluna Prestes passava pelo Ceará.  Lampião recebeu uma carta do padre convidando-o a participar de uma das milícias formadas na época, para combater o avanço de Luis Carlos Prestes.  O cangaceiro aceitou o convite e encontrou-se com Cícero em Juazeiro.  Em troca da sua participação em um dos Batalhões Patrióticos, Lampião recebeu do Ministério da Defesa dinheiro, armas e munição, além da patente de capitão.  O governo federal incentivava que lideres locais formassem milícias contra Prestes, sem se importar com o perfil das mesmas.

Padre Cícero soube se movimentar com naturalidade em mundos diferentes.  Mesmo depois de ser submetido no seminário ao universo ritualizado e asséptico da fé católica, preservou sua visão do mundo sertanejo.  Era um homem sintonizado com o universo do mágico, do maravilhoso, do fantástico, muito típico do catolicismo popular e com grande apelo no sertão.

- Ele sabia como ninguém tocar a alma popular.  Nunca deixou de ser um sertanejo.  Soube, também, se reinventar na política com muita habilidade, contrariando a fama de mocorongo, um sujeito tosco, incapaz de ter uma percepção mais sofisticada do que fosse.  Astuto, se houve com tanto brilho na seara política que, basta dizer, outros líderes messiânicos do seu tempo, opostamente a ele tiveram uma sorte muito ruim, foram passados pela espada da repressão governamental e sucumbiram, avalia o biógrafo.

Na missa de 75 anos da morte de Padre Cícero, celebrada este ano em Juazeiro, o bispo Fernando Penico (!) deu vivas a Cícero e levou ao delírio uma multidão de vinte mil fiéis.

- A reabilitação junto ao Vaticano é para muito breve e os indícios são claros.  Em setembro deste ano, numa audiência, Dom Fernando Penico esteve com o papa Bento XVI e o principal assunto da conversa foi o padre Cícero.  Está muito claro que, neste caso, o tempo, o relógio do Vaticano, vai marcar as horas com mais celeridade do que costuma fazê-lo, antevê o autor.

Quanto ao livro, se nas primeiras páginas o sangue era hóstia, com uma origem supostamente divina, na segunda parte o sangue é humano, derramado nos confrontos armados.  A história narrada na sua primeira parte é uma espécie de um “thriller” eclesiástico mambembe.  A segunda, descreve um anedótico  e autêntico faroeste caboclo, com ação predominante no campo de batalha e nos bastidores da política.

Emboramente sem merecimento literário, pois trata-se de texto muito fraco, cuja leitura é perfeitamente dispensável,  o livro escrito e publicado a toque de caixa,  prenderá a atenção do leitor menos exigente graças às informações e afirmações nele contidas, cuja veracidade, muitas vezes o autor não comprova.  Na verdade, explora mal o inegável apelo despertado pelas narrativas que versam sobre a vida do polêmico Padre Cícero.  A impressão é ruim, há erros de Português, de revisão e tanto a capa quanto a apresentação gráfica desanimam o leitor. 

Fonte: “Padre Cícero, Poder, fé e guerra no sertão.”   Autor:  Lira Neto.

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