Ouvindo a mãe ao telefone - por Ronaldo Duran

Jornal O Norte
14/05/2009 às 09:52.
Atualizado em 15/11/2021 às 06:58

Ronaldo Duran


Autor do livro Homem não chora, berra


ronaldo@ronaldoduran.com

A relação com minha mãe não é das mais ideais. Nunca foi, que me lembro. Convivência tortuosa. Nada para criar um trauma, porém de certo modo impede que sejamos confidentes. Na adolescência ela cismava com tanta coisa. Chamando-me atenção por ninharia. Teve uma vez que até fugi de casa, aos 12 anos, de tanto falar que me daria para uma tia para quem eu me mostrava solicito.

E quando a vi chorando, lá na escola, porque na escola eu não deixaria de ir ainda que estivesse fora de casa, eu fiquei sem graça. Descobri que a amava muito.

Salvo exceções, percebo que há parentes que guardamos boa recordação por simplesmente ser pai, mãe, tio, avó, filhos, mas que quando estamos com eles, esperamos ansiosos para a conversa acabar e darmos o fora. É triste. Eu daria tudo para saber como rolar uma conversar sadia com minha mãe. Da minha parte, creio que me esforço.

Na fala dela, a situação está eternamente ruim. Perdeu o emprego mais uma vez? O marido está se afastando, ausente, deixando de ser o que era quando se conheceram? Um dos filhos não liga para ela? Queria reformar a casa? Queria mudar de endereço?  Uma das noras está fazendo a cabeça do filho para não levar em conta o que ela diz?

Tem dia que pego o telefone e prometo que a ouvirei incondicionalmente. Não esquentarei. Serei um bom confidente. Passados os primeiros cinco minutos, vai me dando um incômodo. Quando noto, estou ansioso para desligar o telefone.

Nem os meus alunos de 5a. série me deixam tão esgotado. Talvez por que em sala de aula sabemos que é trabalho e que, ao contrário do que deveria significar a figura do professor, hoje respeito é raro. Em casa, com os familiares nos cobramos mais. É com eles que dividimos os melhores e piores momentos.  Quando essas referências nos causam dor ao ouvido no simples abrir da boca? Ficamos chateados, como se a falta unicamente fosse nossa.

Terapia para nos conhecer melhor? Sim, até que eu arriscaria, caso meu orçamento não fosse tão apertado. Claro, não esperaria milagre das palavras de um terapeuta. Acredito que a situação de árbitro nos ajudaria a tocar em questões espinhosas. Ele nos guiaria.

Há leituras maravilhosas. Vou me apropriar de uma delas na busca de tornar o contato com minha mãe menos tedioso. Ora, eu a amo apesar da chatice que é ouvir suas lamúrias ao telefone ou pessoalmente. Preciso achar um meio de transpor esta dificuldade.

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