Outros 500...

Jornal O Norte
17/10/2005 às 12:01.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:53




Itamaury Teles de Oliveira

 

Estava numa roda de amigos, dia desses, no Quarteirão do Povo, em Montes Claros,  quando o assunto origem de palavras e expressões surgiu do nada. E ninguém estranha esse fato, pois ali é uma tribuna livre e  toda discussão é permitida. O único direito que temos, quando não gostamos do assunto tratado, é o de mudarmos de interlocutores, procurando outra rodinha com tema diverso.




Tico Lopes, estudioso do folclore não apenas regional, mas nacional e quiçá internacional – em virtude de seus périplos abroad com o Grupo Banzé –, trouxe-nos uma informação interessante a respeito da origem da palavra realengo, que nomeia um bairro no Rio de Janeiro. Segundo apurou, vem da época do Brasil Império. Havia uma placa a indicar a estrada que demandava o engenho de açúcar da Corte, denominado Real Engenho. Nessa placa, a palavra engenho fora simplificada para engº e daí surgiu realengo. O dicionário Houaiss, no entanto, traz outra etimologia para a palavra, cuja origem latina data  de 1300.




Falei da palavra baitola que, segundo amigo meu cearense, origina-se da pronúncia, com sotaque, da palavra bitola por um engenheiro inglês, homossexual passivo, quando da construção de uma estrada de ferro no Ceará. Em alto e bom tom afeminado, ordenava:




- Alinha a baitola, Severino!




Assim, de apelido do engenheiro inglês, baitola virou sinônimo de homossexual passivo...




Haroldo Lívio, historiador, jornalista e escritor de ilustrada lavra, disse-nos da origem da expressão “cuspido e escarrado”, popularmente usada para indicar semelhanças físicas entre pessoas, que, efetivamente, é uma corruptela de esculpido em carrara, o mármore branco que herdou o nome da cidade italiana onde é encontrado.




Mas, e a origem da expressão outros quinhentos?  Perguntei e não obtive resposta. Como sempre, usando do meu indisfarçável bairrismo, disse que se originou em Porteirinha, quando eu era menino. Ou, pelo menos, lá um gaiato fez bom uso dela.




Luiz, vamos chamá-lo assim, um exímio jogador de sinuca, era louco para morar no Rio de Janeiro, basicamente porque admirava e imitava o malandro carioca, inclusive na indumentária – calça e sapatos brancos e camisa listrada, na horizontal. Vivia de apostas e, certa feita, tendo juntado 500 cruzeiros, bolou um plano para dobrar a quantia, o que viabilizaria sua mudança para a Cidade Maravilhosa.




No Bar do Bráulio, onde jogava, falava pra todo mundo que, para não gastar o dinheiro que juntara, iria levá-lo para o Padre Julião guardar, pois era depositário de confiança. O padre, de origem espanhola, já estava em Porteirinha fazia muito tempo, mas falava muito mal o português e havia se esquecido da língua mãe. Andava um pouco esclerosado e alquebrado pelo tempo e Luiz, evidentemente, queria aproveitar-se dessa situação.

 






Por isso, ao invés de entregar os 500 cruzeiros ao Padre, o malandro porteirinhense, na realidade, levara sua poupança para “seu” Anfrísio, o dono da farmácia, pedindo-o que guardasse sob custódia. Ele, com prazer, aceitou a incumbência.




Matreiramente, todavia, Luiz continuou falando aos seus companheiros de sinuca, até a véspera de sua viagem, que marcara para após a festa de Santana, em Serra Branca, que havia deixado o dinheiro com o Padre Julião.




No dia da festa no povoado de Serra Branca, quando o Padre Julião preparava-se para celebrar mais um casamento coletivo – já com o profundo bolso de sua batina preta cheio de dinheiro de batizados e casamentos e de óbolos à Santa –, aparece Luiz, acompanhado por companheiros do Bar do Bráulio, e o aborda educadamente:




- Padre Julião, vim pegar o meu dinheiro.




- Que dineiro?




- Os meus 500, padre!




- Usted não deixou nada comigo!




- Deixei, Padre. Meus companheiros aqui são testemunhas...




- Não deixou!!! – negou peremptório o cura.




“Seu” Anfrísio, que era padrinho de casamento de um correligionário político e a tudo assistia, interferiu em defesa do Padre Julião.




- Luiz, foi comigo que você deixou os 500 cruzeiros!




E Luiz, sem perder a pose, virou-se para “seu” Anfrísio, inicialmente com a mão espalmada em sua direção e depois girando-a no ar, e esclareceu convicto, no meio do grande círculo de noivos:




- Calma, “seu” Anfrísio, esses aí são outros 500...




No dia seguinte, com 1.000 cruzeiros no bolso, Luiz encarapitou-se  na carroceria do carrinho da linha do “seu” Pequi e rumou para a estação de Tocandira, onde pegou o trem para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou...



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